Crianças à guarda do Estado são cada vez mais velhas e problemáticas

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Mais de metade das crianças e jovens que foram retiradas às famílias já tinham tido antes medidas de protecção, que acabaram por não resultar. E para muitas a entrada no sistema de acolhimento não constitui uma novidade. Uma em cada cinco precisa de medicação psicotrópica.

Existem menos crianças e jovens à guarda do Estado por terem sido retirados à família, mas os que estão nas instituições “chegam cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento”, o que levou a uma mudança das características desta população: as crianças acolhidas são hoje mais velhas, “mais complexas e mais exigentes” do que eram no passado, refere o Instituto de Segurança Social (ISS) num relatório entregue ao Parlamento.

O relatório Casa — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens dá conta que, no ano passado, estavam à guarda do Estado 8175 crianças e jovens. Em 2006 eram 12.245.

Das crianças e jovens em acolhimento em 2016, 50% tinham entre 15 e 20 anos, quando há uma década esta percentagem era de 37,3%. Já a proporção de crianças entre os 0 e os 5 anos caiu de 12,3% para 6,9%.

Este “envelhecimento” da população residente nos lares para crianças e jovens tem também repercussões nos projectos de vida que ali se fazem para o futuro, com cada vez menos a terem a adopção como opção e (no caso das mais velhas) cada vez mais a desejarem uma vida autónoma.

Para a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, a mudança das características dos que foram retirados às famílias por estarem, de algum modo, em perigo constitui um “novo desafio” para o sistema de acolhimento, que tem agora de saber encontrar respostas adequadas “à cada vez maior afluência de adolescentes e jovens que chegam [às instituições] já com problemas de comportamento ou hábitos de vida com traços desviantes”.

É com esse objectivo, acrescentou, que se vai proceder “à revisão da regulamentação das respostas de acolhimento de modo a adaptá-las” à nova realidade. O que passa também por elevar os “níveis de especialização e de competências técnicas” dos profissionais envolvidos. E ainda pela criação de respostas mais especializadas, como será o caso das quatro unidades de saúde mental dirigidas a crianças e jovens. As que estão em situação de acolhimento terão prioridade no atendimento. Estas unidades deverão abrir ainda este ano.

Refira-se, a propósito, que das crianças e jovens que em 2016 viviam em instituições ou outras respostas, como famílias de acolhimento, existiam 1609 (20% do total) a quem foi prescrita medicação psicotrópica.

 

Problemas de comportamento

Vítimas de maus tratos, negligência ou abusos, as crianças e jovens que são retiradas às famílias, têm muitas vezes outras problemáticas associadas, seja de comportamento, de consumos de substâncias, de doenças físicas, de saúde mental e de debilidade ou deficiência mental ou física.

Com 2227 casos, os problemas de comportamento são os que assumem maior representatividade, sendo que 55% dos que apresentavam esta problemática tinham entre 15 e 17 anos. Mentir para obter benefícios, fugas breves e intimidações fazem parte dos problemas mais listados. São aqueles que o ISS define como “comportamentos ligeiros” e que representam 72% do total. Já os “comportamentos graves”, como roubo com agressão, utilização de armas brancas ou destruição de propriedade, têm um peso de 4%.

Entre os jovens em acolhimento, 371 (4,9%) são ainda suspeitos ou estão acusados de terem praticado um crime, estando por isso sujeitos a medidas tutelares educativas, destinadas a menores até aos 16 anos.

Um dos princípios basilares da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo é o de tentar manter os menores junto das suas famílias, mesmo quando estas estão assinaladas como podendo constituir um risco para eles. “Os jovens só são retirados quando se chega à conclusão que a família reiteradamente não cumpre o plano” que lhe foi proposto, indicou Ana Sofia Antunes.

E é também por isso que os jovens estão a chegar cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento, frisou uma fonte do ISS. Dos 8175 que ali estavam em 2016, 52,3% já tinham sido alvo, no passado, de “medidas de protecção em meio natural”, ou seja, junto da família, que acabaram por não resultar.

Há outro número relevante: 2903 (35,5%) já tinham estado em lares de acolhimento antes, tendo regressado à família para depois voltarem a ser retirados. Cerca de 600 já contabilizam na sua vida três ou mais experiências de acolhimento.

Negligência das famílias

Das 2936 crianças e jovens que entraram no sistema de acolhimento ao longo do ano de 2016, 485 foram encaminhados em situação de urgência por estar em perigo a sua vida ou integridade física ou psíquica. Quase metade já tinha sido alvo também de medidas de protecção anteriores.

Muitos chegam ao sistema de acolhimento por terem estado expostos a várias situações de perigo. A negligência é a que assume maior predominância (72%), seguida das situações de mau trato psicológico (8,5%), maus tratos físicos (3,4%) e abusos sexuais (2,8%). São problemáticas que, cada vez menos, se apresentam ligadas a agregados desfavorecidos, sendo a sua ocorrência “transversal” a toda a sociedade, frisa fonte do ISS.

A permanência em lares de infância e juventude é a solução mais comum, abrangendo 88,1% das crianças e jovens que estão no sistema. Já as crianças em famílias de acolhimento representam apenas 3,2% dos menores no sistema.

Outro dos princípios de base da lei é o de que o acolhimento deve ser uma solução “temporária”. Contudo, 34% dos que se encontram em lares estão lá há quatro anos ou mais.

 

Número de crianças e jovens em acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos

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O número de crianças e jovens em casas de acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos, passando de 12.245 em 2006 para 8.175 no ano passado, revela um relatório do Instituto da Segurança Social

Segundo o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens CASA 2016, o número de crianças e jovens dos zero aos 20 anos caracterizados no sistema de acolhimento familiar e residencial abrangeu 10.688 casos em 2016, menos 4.328 do que há dez anos (29%).

Destes, 8.175 (76%) encontravam-se nas 310 casas de acolhimento existentes no país, menos 425 (5%) face a 2015.

Apesar do decréscimo no número de crianças acolhidas, verificou-se em 2016 um aumento no número de novas entradas e uma redução do número de saídas.

De acordo com o CASA, 2.396 menores (22%) foram acolhidos em 2016, mais 194 relativamente a 2015 (9%), e 2.513 deixaram o acolhimento, menos 2.513 (4%), a maioria para regressar à família e 259 crianças (10%) foram integradas numa família adotante em período de pré-adoção.

Em 2016, manteve-se uma “ligeira prevalência” de rapazes (52,7%) e “um claro predomínio” de jovens com idades entre os 12 e os 20 anos (69,4%).

Os jovens chegam ao sistema “cada vez mais crescidos e mais complexos” o que exige respostas mais específica, afirmou uma técnica do Instituto da Segurança Social (ISS) num encontro com jornalistas no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta situação deve-se ao facto de ter sido tentado que o jovem ficasse junto da família, segundo a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, uma vez que mais de metade teve, antes do acolhimento, uma medida em meio natural de vida.

No entanto, salienta o relatório, terá de manter-se em atenção “o número de crianças (3.087) cuja primeira iniciativa de intervenção foi a aplicação de uma medida de acolhimento que determinou o seu afastamento” da família.

A grande maioria (7.203 — 88,1%) encontra-se em Lares de Infância e Juventude Especializado e centros de acolhimento temporário, 576 (7%) em casas de acolhimento com modelos de intervenção específicos nas áreas da saúde, educação especial ou Segurança Social, e 63 (0,8%) estavam em apartamentos de autonomização.

Cerca de 3% (261) estavam em famílias de acolhimento, adianta o relatório, observando que estas famílias estão concentradas no norte do país, principalmente nos distritos do Porto, Vila Real, Braga e Viana do Castelo, enquanto em Lisboa, onde o número de crianças em acolhimento é dos mais elevados, não existe nenhuma.

Havia ainda 192 crianças e jovens, 17 dos quais menores de 11 anos, em comunidade terapêutica, devido a problemas de toxicodependência e álcool.

O relatório alerta para a importância da duração do acolhimento, advertindo que 74% das crianças em acolhimento familiar estão acolhidas há mais de quatro anos, o mesmo tempo para 33,7% das que estão em instituições.

Sobre os motivos que levaram ao acolhimento da criança ou do jovem, o relatório aponta o principal foi negligência associada a “falta de supervisão familiar” (4.826), seguido da “exposição a modelos desviantes” e de “comportamentos desviantes”, detetados em 832 crianças.

O documento revela também que 17% das crianças foram acolhidas longe do seu contexto familiar de origem, das quais 46% tinham entre 15 e 17 anos, sublinhando que isto só pode ocorrer “quando o superior interesse da criança assim o determine”

Lusa