Acolhimento familiar: projeto do governo criticado por ser “impreciso e vago”

   |   By  |  0 Comments

Ana Mafalda Inácio

Investigadores, instituições e movimentos na área da infância estão preocupados, receosos e até desiludidos com o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar. Receiam que seja um retrocesso em relação ao anterior. O documento esteve em discussão pública até 27 de maio e o governo quer…

 

Preocupação, receio, frustração e até desilusão: estas foram as palavras usadas por investigadores, psicólogos, diretores de instituições e por advogados que analisaram o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar – que esteve em discussão (durante um mês) até ao dia 27 de maio – e que decidiram enviar ao Ministério da Segurança Social pareceres e considerações a alertar para o que consideram errado e sugerir o que pode ser melhorado.

O documento, que foi tornado público a 26 de abril, não recebeu a melhor das reações. Sobretudo porque, defendem alguns, “é vago e impreciso”, “inespecífico e confuso” no que respeita a algumas matérias consideradas “muito importantes”, nomeadamente critérios e requisitos para avaliação e formação de famílias de acolhimento e o papel de cada uma das entidades que vão intervir neste processo.

Há mesmo quem receie que possa representar um retrocesso no “caminho que Portugal já fez até aqui em termos de acolhimento familiar”. Do ponto de vista legislativo “deixa muito a desejar”, para não dizer que “é uma grande confusão” ou “uma manta de retalhos”.

A única nota positiva referida ao DN tem que ver com o reconhecimento, do ponto de vista fiscal e laboral, dado às famílias de acolhimento. Isto “é importante mas não é tudo”, dizem. “Para quem estava à espera de um decreto-lei mais virado para as famílias – motivação e articulação com as instituições que já trabalham no terreno -, é uma grande desilusão.”

Famílias de acolhimento vão ter direito a benefícios fiscais, faltas, baixas e abonos

   |   By  |  0 Comments

Há muito que se fala de mudanças na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo sobre famílias de acolhimento. Agora vai haver novas medidas. O projeto de decreto de lei está em consulta pública a partir de hoje e por um mês.

Uma criança tem direito à educação, à saúde e ao bem-estar. Tem direito à proteção, à participação e à não discriminação. Tem direito à sobrevivência, aos cuidados adequados e ao seu desenvolvimento. Uma criança tem direitos. Ponto. Tem direito a que, em todas as situações ou decisões da sua vida, os intervenientes que nelas participem tenham em mente que acima de tudo é “o seu interesse superior” que deve estar sempre presente, como determina a Convenção dos Direitos da Criança, assinada pelas Nações Unidas a 20 de novembro de 1989.

 

Mas a verdade é que nem todas as crianças têm direito a ter direitos. Nem todas têm direito a nascer e a crescer com acesso aos cuidados básicos, nem tão-pouco com o direito a ter colo, mimo e afeto. Ainda é assim 30 anos depois da Convenção da ONU e depois de tantos e tantos especialistas alertarem e confirmarem que o “colo é tão importante quanto o leite” ou, por outras palavras, que “as crianças que recebem colo serão adultos mais confiantes”.

Em Portugal, em 2017, havia 7553 crianças e jovens que estavam à guarda do Estado, por, num momento qualquer da sua vida, ter sido considerado que estavam em perigo. Já foram mais, em 2016 eram 8175. Há quem diga que a redução se deve ao facto de “termos cada vez melhores pais”. Assim se espera. Mas há quem defenda que ainda são demasiados os que esperam numa instituição ou em outra forma de acolhimento o regresso à família de origem ou por outro projeto de vida, como a adoção ou o apadrinhamento civil.

 

Há quem defenda que uma criança ou um jovem, enquanto espera que o sistema funcione e lhe encontre um caminho, um projeto de vida, como define a lei de proteção, deve ter o direito de poder viver, experienciar, o acolhimento numa família que a proteja, que dela cuide, que a acarinhe.

“Um bebé precisa de colo”, “uma criança precisa de mimo”, “uma criança precisa de uma família”, mesmo que não seja a sua. Tantas vezes se ouve frases como estas da boca dos próprios técnicos que trabalham na proteção de menores. Mas o certo é que hoje a principal medida de acolhimento de uma criança ou de um jovem em perigo ainda é o acolhimento residencial – ou seja, a institucionalização, seja bebé, criança até aos 6, 10, 12 ou 16 anos.

 

© Leonel de Castro/Global Imagens

Basta referir que das 7553 crianças e jovens no sistema, 6583 estavam institucionalizadas e só 246 encontravam-se em acolhimento familiar. Ou seja, 246 crianças e jovens acolhidos em 175 famílias, de acordo com os dados do último relatório CASA. Nenhum na área de Lisboa, já que aqui não há uma única família de acolhimento. O mesmo relatório refere que a medida tem sido aplicada mais no Porto, na Madeira, em Vila Real, Braga, Viana do Castelo, Coimbra e Aveiro.

As famílias de acolhimento estão na lei de proteção de menores desde 2008, mas, e como assume fonte do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, “tem sido uma realidade pouco trabalhada, embora não se esteja a partir de um vazio”. Daí que tivesse sido necessária “uma reflexão aprofundada sobre o que devem ser famílias de acolhimento para se poder reincrementar a medida”, explicou a mesma fonte. Reforçando: “A intenção é que a criança seja acolhida num ambiente familiar, como qualquer outra criança, e numa lógica de apoio e de reforço das suas competências por um período, mas com vista a uma situação mais sólida.”

Foi nesse sentido que o MTSSS criou, em 2017, um grupo de trabalho que integra técnicos da Segurança Social, da Santa Casa de Lisboa e da Casa de Pia de Lisboa, para refletirem e trabalharem uma regulamentação que adaptasse “esta medida a uma nova lógica”, explicou a mesma fonte. O projeto de Lei está pronto e em consulta pública a partir desta sexta-feira por um período de 30 dias.

Acolhimento familiar preferencial até aos 6 anos

O objetivo é tornar a medida mais cativante, torná-la alternativa ao acolhimento residencial e até mesmo prioritária e até preferencial para crianças até aos 6 anos. Por isso, a ideia é poder criar uma bolsa de famílias de acolhimento, que serão avaliadas, selecionadas e recrutadas pelas entidades competentes, em todo o país e de acordo com as necessidades existentes, “e sempre privilegiando a proximidade com a família de origem ou o meio natural de vida da criança ou jovem em causa, se não houver indicação em contrário”.

Mas para colocar em prática a medida, passados estes dez anos, houve mesmo “a necessidade de mudar o paradigma do que é o acolhimento familiar e ao que obrigava, havendo necessidade de alterar alguns dos seus pressupostos”.

Uma família que acolha uma criança com menos de 6 anos receberá 601,35 euros, com mais de 6 receberá 522,91.

Uma das principais mudanças prende-se com o facto de, até agora, quem se candidatasse a família de acolhimento tinha de se inscrever como trabalhador independente, o que exigia também contribuições e um contrato de prestação de serviços. Agora, quem se candidate e for aceite não terá de passar por esta modalidade. Mais: terá acesso a direitos sociais, como faltas, baixas médicas, em caso de doença, e acesso a todas prestações a que uma criança tem direito, como o abono de família.

Neste projeto está ainda consignado que estas famílias terão direito aos benefícios fiscais previstos no Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares e no Estatuto dos Benefícios Fiscais. E porque “a situação acarreta encargos”, o Estado compromete-se também com a atribuição de um apoio pecuniário por criança ou jovem acolhido, correspondente a 1,2 vezes o valor indexante dos apoios sociais.

“Estes são os valores que entendemos necessários para que uma família possa fazer face às despesas quando tem a seu cargo uma criança. A estes acrescerão todas as prestações sociais como abono de família, bonificação por deficiência, subsídio de assistência à terceira pessoa, etc.”, pormenorizou a mesma fonte.

Educação e saúde devem garantir serviços

Este projeto de lei tem como objetivo também agilizar alguma das burocracias e dos entraves detetados em algumas situações de crianças acolhidas que depois não recebiam cuidados de saúde nem de educação básicos de forma imediata. Por isso, a lei define que os serviços do Ministério de Educação devem garantir, em tempo útil, a efetiva inclusão escolar e a oferta formativa adequada a estas crianças e jovens. Em relação aos serviços do Ministério da Saúde, refere mesmo que devem priorizar o acesso destas crianças.

“Com a atual legislação pode haver dificuldade em inscrever uma criança numa escola a meio do ano, na zona de residência da família de acolhimento, mas esta situação vai ficar inscrita na lei. Fizemos um levantamento presencial junto das IPSS que têm acordos de cooperação com a Segurança Social para se perceber quais eram as maiores dificuldades para que pudessem ser corrigidas com esta nova legislação. E estamos já a trabalhar neste sentido com os outros ministérios”, garantiu ao DN fonte do MTSSS.

 

Quem pode candidatar-se

O projeto em discussão estabelece que pode ser candidato a família de acolhimento “pessoa singular, duas pessoas casadas entre si ou que vivam em união de facto, duas ou mais pessoas por laços de parentesco e que vivam em comunhão de mesa e habitação”. Pelo acolhimento familiar ficará responsável um dos elementos da família, mas estas não poderão ter “qualquer relação de parentesco com a criança ou com o jovem”.

No documento, lê-se ainda que cada família poderá acolher até duas crianças ou jovens, mas a título excecional e devidamente justificado poderá acolher mais. Os candidatos deverão ter idade superior a 25 anos e inferior a 65, não serem concorrentes a adoção, terem condições de saúde física e mental e possuir preparação e motivação afetiva para ser família de acolhimento e condições de habitabilidade, etc.

As famílias serão avaliadas e recrutadas pelas entidades competentes, a Segurança Social e a Santa Casa de Lisboa, que terão de gerir as vagas neste tipo de acolhimento a fazer o acompanhamento. Cabe-lhes também divulgar a medida através do desenvolvimento de campanhas para a captação de famílias candidatas.

Na lei estão ainda definidos os direitos e os deveres quer das crianças e dos jovens acolhidos, quer das famílias de acolhimento, como das de origem.

A medida estará em discussão pública até ao final de maio, para que os contributos dados pela sociedade possam ser analisados pelo ministério e contemplados ou não na versão final. Só depois será agendada a discussão e a aprovação em Conselho de Ministros. Em relação à data para a entrada em vigor, “não possível indicar”, refere a mesma fonte. Como não é também possível indicar o número de famílias necessárias para acolher as crianças e jovens a quem a medida deve ser atribuída.

Uma coisa é certa: de acordo com a lei, quando a medida for executada já deve ter por base a “previsibilidade da reintegração da criança ou do jovem na família de origem ou em meio natural de vida”; quando não for possível esta solução, está também previsto “a execução e a preparação da criança ou do jovem para a adoção ou a autonomia de vida”.

O acolhimento familiar está previsto na lei e consiste “na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitada para o efeito, visando proporcionar à criança ou ao jovem a integração em meio familiar estável que lhe garanta os cuidados adequados às suas necessidades e ao seu bem-estar.”

Ao DN, em entrevista anterior à divulgação deste decreto-lei, a diretora da Unidade de Adoção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar da Santa Casa de Lisboa, Isabel Pastor, defende que a tendência para o futuro é que o acolhimento institucional seja desmantelado. “A meta é que dentro de dez, quinze ou 20 anos toda a criança com necessidade de acolhimento o seja em família.”

Ana Mafalda Inácio

Negligência, maus tratos e abusos. Mais de 2.200 crianças institucionalizadas no último ano

   |   By  |  0 Comments

Relativamente a 2016, há menos 8% de crianças em risco institucionalizadas, e nos últimos dez anos houve uma descida de 25% no número de crianças e jovens sinalizados.

 

O número de crianças e jovens em perigo acolhidos em famílias ou instituições desceu em 2017, uma tendência constante na última década, registando-se 7.553 em acolhimento e 2.857 que saíram dessa situação no ano passado.

“Portugal começa a dar sinais positivos no caminho da prevenção e/ou redução da institucionalização de crianças e jovens”, lê-se na “Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens” relativo a 2017.

No ano passado foram 2.202 as entradas no sistema de acolhimento, a maior parte por causa de negligência, falta de supervisão e acompanhamento (41%). Em 16% dos casos, o acolhimento deveu-se a “comportamentos desviantes”.

Em 400 casos considerou-se que foram vítimas de mais tratos psicológicos, 8% casos de exposição a violência doméstica, enquanto 215 casos chegaram ao sistema por terem sido sujeitos a maus tratos físicos e abuso sexual.

A esmagadora maioria (90%) destas novas entradas nunca tinha estado no sistema de acolhimento, mas em 240 casos tratou-se de um regresso, uma vez que já tinham saído, mas foi “detetada nova ou reiterada situação de perigo”.

Das novas entradas, 394 seguiram “procedimento de urgência”.

A maior parte das crianças e jovens em perigo acolhidas são rapazes, entre os 12 e os 20 anos de idade, que compõem 72% do total.

As casas de acolhimento generalista recebem 87% das situações, mesmo no caso das crianças até 5 anos – 88% de um universo de 903 crianças.

Em acolhimento familiar, que continua a ser de “fraca expressão”, estavam em 2017 apenas 3% das crianças e jovens em perigo.

O tempo de acolhimento costuma durar em média 3,6 anos, o que aconselha “atenção aos motivos” para tanto tempo de permanência e esforços para aplicar os “planos individuais de intervenção”.

No que toca às saídas do sistema em 2017, aumentaram 14% em relação ao ano anterior, na maioria rapazes a partir dos 15 anos que saíram de lares de infância e juventude para voltarem a viver em família, quer a de origem quer adotiva.

Em 984 casos, registaram-se “problemas de comportamento” ligeiros, que exigem “maior atenção”.

Entre os que estão em acolhimento, havia “comportamentos disruptivos em 28%”, sobretudo nas idades entre os 12 e os 17 anos, acompanhados psicologicamente e, em 22% dos casos, com medicamentos.

Para 91% das crianças e jovens em acolhimento houve educação e formação, creche ou ensino pré-escolar.

Durante o acolhimento são orientados para um projeto de vida, o que se conseguiu em 92,3% dos casos em 2017, mais 1,7 pontos percentuais do que em 2016.

A maior parte destes projetos aponta para a autonomização, sobretudo nas idades entre os 12 e os 20, enquanto a reunificação familiar é predominante na faixa 6-11 anos (43,5%).

Em cerca de um terço das crianças até aos 5 anos, o projeto de vida definido foi a adoção.

Lusa

Crianças à guarda do Estado são cada vez mais velhas e problemáticas

   |   By  |  0 Comments

Mais de metade das crianças e jovens que foram retiradas às famílias já tinham tido antes medidas de protecção, que acabaram por não resultar. E para muitas a entrada no sistema de acolhimento não constitui uma novidade. Uma em cada cinco precisa de medicação psicotrópica.

Existem menos crianças e jovens à guarda do Estado por terem sido retirados à família, mas os que estão nas instituições “chegam cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento”, o que levou a uma mudança das características desta população: as crianças acolhidas são hoje mais velhas, “mais complexas e mais exigentes” do que eram no passado, refere o Instituto de Segurança Social (ISS) num relatório entregue ao Parlamento.

O relatório Casa — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens dá conta que, no ano passado, estavam à guarda do Estado 8175 crianças e jovens. Em 2006 eram 12.245.

Das crianças e jovens em acolhimento em 2016, 50% tinham entre 15 e 20 anos, quando há uma década esta percentagem era de 37,3%. Já a proporção de crianças entre os 0 e os 5 anos caiu de 12,3% para 6,9%.

Este “envelhecimento” da população residente nos lares para crianças e jovens tem também repercussões nos projectos de vida que ali se fazem para o futuro, com cada vez menos a terem a adopção como opção e (no caso das mais velhas) cada vez mais a desejarem uma vida autónoma.

Para a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, a mudança das características dos que foram retirados às famílias por estarem, de algum modo, em perigo constitui um “novo desafio” para o sistema de acolhimento, que tem agora de saber encontrar respostas adequadas “à cada vez maior afluência de adolescentes e jovens que chegam [às instituições] já com problemas de comportamento ou hábitos de vida com traços desviantes”.

É com esse objectivo, acrescentou, que se vai proceder “à revisão da regulamentação das respostas de acolhimento de modo a adaptá-las” à nova realidade. O que passa também por elevar os “níveis de especialização e de competências técnicas” dos profissionais envolvidos. E ainda pela criação de respostas mais especializadas, como será o caso das quatro unidades de saúde mental dirigidas a crianças e jovens. As que estão em situação de acolhimento terão prioridade no atendimento. Estas unidades deverão abrir ainda este ano.

Refira-se, a propósito, que das crianças e jovens que em 2016 viviam em instituições ou outras respostas, como famílias de acolhimento, existiam 1609 (20% do total) a quem foi prescrita medicação psicotrópica.

 

Problemas de comportamento

Vítimas de maus tratos, negligência ou abusos, as crianças e jovens que são retiradas às famílias, têm muitas vezes outras problemáticas associadas, seja de comportamento, de consumos de substâncias, de doenças físicas, de saúde mental e de debilidade ou deficiência mental ou física.

Com 2227 casos, os problemas de comportamento são os que assumem maior representatividade, sendo que 55% dos que apresentavam esta problemática tinham entre 15 e 17 anos. Mentir para obter benefícios, fugas breves e intimidações fazem parte dos problemas mais listados. São aqueles que o ISS define como “comportamentos ligeiros” e que representam 72% do total. Já os “comportamentos graves”, como roubo com agressão, utilização de armas brancas ou destruição de propriedade, têm um peso de 4%.

Entre os jovens em acolhimento, 371 (4,9%) são ainda suspeitos ou estão acusados de terem praticado um crime, estando por isso sujeitos a medidas tutelares educativas, destinadas a menores até aos 16 anos.

Um dos princípios basilares da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo é o de tentar manter os menores junto das suas famílias, mesmo quando estas estão assinaladas como podendo constituir um risco para eles. “Os jovens só são retirados quando se chega à conclusão que a família reiteradamente não cumpre o plano” que lhe foi proposto, indicou Ana Sofia Antunes.

E é também por isso que os jovens estão a chegar cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento, frisou uma fonte do ISS. Dos 8175 que ali estavam em 2016, 52,3% já tinham sido alvo, no passado, de “medidas de protecção em meio natural”, ou seja, junto da família, que acabaram por não resultar.

Há outro número relevante: 2903 (35,5%) já tinham estado em lares de acolhimento antes, tendo regressado à família para depois voltarem a ser retirados. Cerca de 600 já contabilizam na sua vida três ou mais experiências de acolhimento.

Negligência das famílias

Das 2936 crianças e jovens que entraram no sistema de acolhimento ao longo do ano de 2016, 485 foram encaminhados em situação de urgência por estar em perigo a sua vida ou integridade física ou psíquica. Quase metade já tinha sido alvo também de medidas de protecção anteriores.

Muitos chegam ao sistema de acolhimento por terem estado expostos a várias situações de perigo. A negligência é a que assume maior predominância (72%), seguida das situações de mau trato psicológico (8,5%), maus tratos físicos (3,4%) e abusos sexuais (2,8%). São problemáticas que, cada vez menos, se apresentam ligadas a agregados desfavorecidos, sendo a sua ocorrência “transversal” a toda a sociedade, frisa fonte do ISS.

A permanência em lares de infância e juventude é a solução mais comum, abrangendo 88,1% das crianças e jovens que estão no sistema. Já as crianças em famílias de acolhimento representam apenas 3,2% dos menores no sistema.

Outro dos princípios de base da lei é o de que o acolhimento deve ser uma solução “temporária”. Contudo, 34% dos que se encontram em lares estão lá há quatro anos ou mais.

 

Número de crianças e jovens em acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos

   |   By  |  0 Comments

O número de crianças e jovens em casas de acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos, passando de 12.245 em 2006 para 8.175 no ano passado, revela um relatório do Instituto da Segurança Social

Segundo o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens CASA 2016, o número de crianças e jovens dos zero aos 20 anos caracterizados no sistema de acolhimento familiar e residencial abrangeu 10.688 casos em 2016, menos 4.328 do que há dez anos (29%).

Destes, 8.175 (76%) encontravam-se nas 310 casas de acolhimento existentes no país, menos 425 (5%) face a 2015.

Apesar do decréscimo no número de crianças acolhidas, verificou-se em 2016 um aumento no número de novas entradas e uma redução do número de saídas.

De acordo com o CASA, 2.396 menores (22%) foram acolhidos em 2016, mais 194 relativamente a 2015 (9%), e 2.513 deixaram o acolhimento, menos 2.513 (4%), a maioria para regressar à família e 259 crianças (10%) foram integradas numa família adotante em período de pré-adoção.

Em 2016, manteve-se uma “ligeira prevalência” de rapazes (52,7%) e “um claro predomínio” de jovens com idades entre os 12 e os 20 anos (69,4%).

Os jovens chegam ao sistema “cada vez mais crescidos e mais complexos” o que exige respostas mais específica, afirmou uma técnica do Instituto da Segurança Social (ISS) num encontro com jornalistas no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta situação deve-se ao facto de ter sido tentado que o jovem ficasse junto da família, segundo a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, uma vez que mais de metade teve, antes do acolhimento, uma medida em meio natural de vida.

No entanto, salienta o relatório, terá de manter-se em atenção “o número de crianças (3.087) cuja primeira iniciativa de intervenção foi a aplicação de uma medida de acolhimento que determinou o seu afastamento” da família.

A grande maioria (7.203 — 88,1%) encontra-se em Lares de Infância e Juventude Especializado e centros de acolhimento temporário, 576 (7%) em casas de acolhimento com modelos de intervenção específicos nas áreas da saúde, educação especial ou Segurança Social, e 63 (0,8%) estavam em apartamentos de autonomização.

Cerca de 3% (261) estavam em famílias de acolhimento, adianta o relatório, observando que estas famílias estão concentradas no norte do país, principalmente nos distritos do Porto, Vila Real, Braga e Viana do Castelo, enquanto em Lisboa, onde o número de crianças em acolhimento é dos mais elevados, não existe nenhuma.

Havia ainda 192 crianças e jovens, 17 dos quais menores de 11 anos, em comunidade terapêutica, devido a problemas de toxicodependência e álcool.

O relatório alerta para a importância da duração do acolhimento, advertindo que 74% das crianças em acolhimento familiar estão acolhidas há mais de quatro anos, o mesmo tempo para 33,7% das que estão em instituições.

Sobre os motivos que levaram ao acolhimento da criança ou do jovem, o relatório aponta o principal foi negligência associada a “falta de supervisão familiar” (4.826), seguido da “exposição a modelos desviantes” e de “comportamentos desviantes”, detetados em 832 crianças.

O documento revela também que 17% das crianças foram acolhidas longe do seu contexto familiar de origem, das quais 46% tinham entre 15 e 17 anos, sublinhando que isto só pode ocorrer “quando o superior interesse da criança assim o determine”

Lusa

Crianças institucionalizadas ganham amigos para a vida

   |   By  |  0 Comments

Alguma vez pensou que as crianças acolhidas em instituições não sabem o que é uma família, nunca foram às compras ao supermercado e não sabem o que é tempo sem fazer nada? O projeto Amigos p’ra Vida pretende dar apoio concreto e relacional a estas crianças.

Sofia Marques e o marido tornaram-se amigos de duas meninas que estavam numa instituição de acolhimento. Iam levando as irmãs para passeios ou fins de semana em sua casa. Quando voltaram para casa da mãe, o contacto manteve-se. «Uns meses depois convidou-nos para sermos padrinhos de batismo delas.»

Os quatro filhos do casal nasceram e sempre conviveram bem com as meninas. «Quando nasceram, elas já existiram e é como se fossem irmãs mais velhas. Não houve necessidade de se adaptarem a uma criança que vem de fora. Sempre tivemos a casa preparada para todos. Quando tivemos o terceiro filho é que tivemos de trocar de carro», conta a rir.

Projeto tem sido um sucesso
A história de Sónia e Sara serviu de inspiração ao projeto Amigos p’ra Vida. Joana Seabra Gomes, Joana Simões Correia e Sofia Marques são as responsáveis pela ideia que tem como suporte a Candeia. A associação começou, em 1991, por dinamizar campos de férias para crianças institucionalizadas e, atualmente, desenvolve atividades durante todo o ano.

Com os Amigos p’ra Vida, Joana Seabra Gomes explica que «a ideia é trazer às famílias a oportunidade de conhecer estas crianças e criar relações de amizade, mas numa perspetiva duradoura, para a vida e de acordo com a necessidade da criança». O projeto nasceu há cerca de um ano. Já se inscreveram 88 famílias, participam 16 instituições e há 39 crianças sinalizadas, das quais 22 têm relações de amizade com 20 famílias voluntárias.

Família biológica dá autorização
Teresa é mãe de uma menina com Amigos p’ra Vida. Os seus nomes são outros, mas a história é esta. A menina foi institucionalizada quando ainda era bebé e «não tinha noção do que era uma família». Durante algum tempo não pôde ter sequer ter visitas dos pais.
Na instituição «consideraram que estava em risco psicológico e precisava de ter a noção do que era uma família. Perguntaram-me se eu concordava com os Amigos p’ra Vida e concordei», recorda Teresa. Depois de Luísa voltar para casa, a mãe concordou que os amigos se continuassem a encontrar. «Não queria que ela ficasse com a sensação de perder aquela família. É bom para ela e ela gosta muito», afirma.
A ajuda concreta também tem sido útil. «Nas férias de Natal, os irmãos estiveram num centro de estudo, mas os voluntários não podiam ocupar-se dela. A família amiga ofereceu-se para ficar com a Luísa e tem estado lá.»

Tudo é possível
Mas que ajudas são possíveis nos Amigos p’ra Vida? Joana Seabra Gomes diz que pode ser um apoio «tipicamente de fim de semana, em que estes amigos funcionam como complemento à vida da criança e indiretamente à família biológica». Outro tipo de apoio destina-se às crianças com perspetiva de ficarem nas instituições até à idade adulta. «Têm pouca rede social e o que queremos é que tenham mais esta rede para terem um sítio para ir almoçar ao domingo, ou alguém que os aconselhe num primeiro emprego.» Ou que eventualmente venham a ser integradas na família.
Joana Simões Correia tem quatro filhos. A sua família tornou-se amiga de uma menina há um ano. A vida em família é essencial para crianças que sempre tenham vivido em instituições, como era praticamente o caso da amiga desta família. «É importante: “Agora vamos às compras”, porque nas instituições as crianças não vão às compras, as coisas aparecem feitas. “Agora vamos programar o que vamos fazer.” “Posso escolher o que vou fazer? Não tenho um plano de atividades?” “Podes fazer o que quiseres e podes andar pela casa toda, não tens de estar na sala A, B ou C.” Essas experiências são muito importantes. Poder ver como se vive em família. Ver que os membros da família, às vezes, discutem, zangam-se, e como é que resolve isso.»

Pode ler a reportagem completa na FAMÍLIA CRISTÃ de fevereiro de 2017.
Reportagem: Cláudia Sebastião
Fotos: D.R. e Cláudia Sebastião

Governo quer protecção de crianças mais controlada pelo Ministério Público

   |   By  |  0 Comments

ANDREIA SANCHES • 21 de Maio de 2015, 19 33

Propostas do Governo passam por novas regras para a adopção: processos não devem durar mais de 12 meses e adoptados têm direito a conhecer as suas origens.

Nenhuma criança poderá ser acompanhada por uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) por mais de 18 meses, sem que o seu caso seja analisado pelo Ministério Público. A ideia é que as crianças não se eternizem no sistema de protecção e que o Ministério Público avalie, ao fim de 18 meses, se as medidas certas estão a ser tomadas para aquele caso em concreto ou se há outras mais adequadas, nomeadamente a retirada das crianças às famílias biológicas tendo em vista um encaminhamento para adopção. Um dos objectivos é reforçar os mecanismos de controlo e avaliação das medidas de protecção aplicadas pelas CPCJ. Até agora, este tipo de controlo por parte do Ministério Público, com um prazo definido, não existia. Esta é uma das mudanças aprovadas nesta quinta-feira em Conselho de Ministros e faz parte de uma reforma mais geral, que abrange todo o sistema de protecção de crianças, mas também o regime jurídico da adopção. De acordo com dados do Governo, havia, em Dezembro de 2014, um total de 1805 candidatos em lista de espera para adoptar e 429 crianças em situação de adoptabilidade — ou seja, o número de candidatos era mais de quatro vezes superior ao número de crianças que podiam ser adoptadas.

A esmagadora maioria dos aspirantes a pais adoptivos está disponível para receber crianças até aos seis anos. Mas só há 178 crianças com essa idade. Para além disso, o número de crianças com problemas graves ou deficiências corresponde a 15 vezes mais do que o número de candidatos que dizem estar disponíveis para aceitar esse perfil de criança. O Governo acredita, ainda assim, que é possível melhorar e agilizar os procedimentos de adopção. A proposta aprovada em Conselho de Ministros passa desde logo por definir que 12 meses é o período máximo que um processo deve ter. PUB Por exemplo, define-se que os candidatos a pais adoptivos devem ser avaliados e seleccionados em seis meses e que a decisão da Segurança Social sobre se uma criança é ou não adequada para uma família candidata deve ser tomada em 15 dias. A fase de ajustamento entre candidato e criança também não deve ser superior a seis meses. “Proteger as crianças” “Queremos estabelecer prazos efectivos obrigatórios para as decisões”, disse o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social no final do Conselho de Ministros, citado pela agência Lusa. “O prazo administrativo vai ter de ser um prazo de 12 meses no máximo, exactamente para garantir que se pode muito mais rapidamente fazer esse mesmo ajustamento, isto é, conseguir que uma família possa efectivamente adoptar”, declarou Pedro Mota Soares. Segundo o ministro, “proteger as crianças é o centro desta reforma, encurtar os prazos, reduzir a burocracia é o método” e “apoiar e simplificar a vida das famílias que querem adoptar é o eixo estrutural” do diploma relativo à adopção. Um diploma que consagra também, pela primeira vez, o direito dos adoptados de conhecerem as suas origens. Há cerca de 8500 crianças que foram retiradas às famílias e vivem em instituições de acolhimento. E o último Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ mostra que, em 2013, estas estruturas lidaram com cerca de 71.567 crianças. Actualmente, podem candidatar-se à adopção de crianças duas pessoas casadas ou em união de facto — mas os casais de homossexuais estão excluídos deste direito — ou pessoas singulares. E podem ser adoptadas crianças que tenham até 15 anos à data em que o seu processo entra no tribunal. Abusos sexuais fora das CPCJ Mota Soares afirmou que o executivo PSD/CDS-PP pretende pôr fim à “grande dispersão de legislação” sobre esta matéria, concentrando normas num “instrumento único”. Que se chamará Regime Jurídico do Processo de Adopção. Este prevê ainda que as famílias adoptivas sejam acompanhadas nas diferentes fases do processo, inclusivamente após a adopção se concretizar, se assim o entenderem. Eliminam-se algumas figuras legais, como a adopção restrita (que hoje tem entre as suas particularidades o facto de poder ser, em certas circunstâncias, revogada) e agiliza-se o processo de consentimento prévio — nos casos em que se aplica, a família biológica será chamada a dar o seu consentimento à adopção perante um juiz, no próprio dia em que tal é requerido. O Governo aprovou ainda uma proposta de lei sobre o regime geral do processo tutelar cível — “Queremos que passe a ser consagrado o princípio de uma criança, um processo”, disse o ministro. E mudanças à lei de protecção de crianças e jovens em perigo. E aqui há várias alterações propostas. Por exemplo: os casos de abuso sexual intrafamiliares saem da esfera de competência das CPCJ — e passam para a dos juízes dos tribunais de família e menores. A ideia é permitir uma intervenção imediata do tribunal, reconhecendo o carácter de urgência da situação. Prevê-se ainda que para cada criança e jovem acompanhado por uma CPCJ haja um “gestor de processo” — as CPCJ, recorde-se, podem valer-se de várias medidas para promover os direitos das crianças e protegê-las, desde logo accionando os diferentes organismos nelas representados, da Educação à Saúde. O gestor previsto na proposta terá como função coordenar as diferentes intervenções. A Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, por sua vez, deverá mudar de nome, para Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. E de estatuto: a proposta é para que passe a ser uma entidade com autonomia administrativa e financeira e um orçamento próprio. A nova comissão nacional deverá ter sete delegações regionais (cinco no continente e duas nas regiões autónomas), o que significa a descentralização do acompanhamento das CPCJ (há 278 no continente), que se pretende que seja mais próximo. As propostas aprovadas em Conselho de Ministros terão agora de ser discutidas e aprovadas no Parlamento. Elas são o resultado de um trabalho desenvolvido por duas comissões técnicas criadas para que fosse feita uma revisão legislativa na área da protecção da criança, organização tutelar de menores e adopção. As comissões entregaram os seus relatórios ao Governo em Fevereiro. Uma foi coordenada pelo procurador-geral adjunto Maia Neto e a outra pela procuradora-geral adjunta Lucília Gago.