Acolhimento familiar: projeto do governo criticado por ser “impreciso e vago”

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Ana Mafalda Inácio

Investigadores, instituições e movimentos na área da infância estão preocupados, receosos e até desiludidos com o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar. Receiam que seja um retrocesso em relação ao anterior. O documento esteve em discussão pública até 27 de maio e o governo quer…

 

Preocupação, receio, frustração e até desilusão: estas foram as palavras usadas por investigadores, psicólogos, diretores de instituições e por advogados que analisaram o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar – que esteve em discussão (durante um mês) até ao dia 27 de maio – e que decidiram enviar ao Ministério da Segurança Social pareceres e considerações a alertar para o que consideram errado e sugerir o que pode ser melhorado.

O documento, que foi tornado público a 26 de abril, não recebeu a melhor das reações. Sobretudo porque, defendem alguns, “é vago e impreciso”, “inespecífico e confuso” no que respeita a algumas matérias consideradas “muito importantes”, nomeadamente critérios e requisitos para avaliação e formação de famílias de acolhimento e o papel de cada uma das entidades que vão intervir neste processo.

Há mesmo quem receie que possa representar um retrocesso no “caminho que Portugal já fez até aqui em termos de acolhimento familiar”. Do ponto de vista legislativo “deixa muito a desejar”, para não dizer que “é uma grande confusão” ou “uma manta de retalhos”.

A única nota positiva referida ao DN tem que ver com o reconhecimento, do ponto de vista fiscal e laboral, dado às famílias de acolhimento. Isto “é importante mas não é tudo”, dizem. “Para quem estava à espera de um decreto-lei mais virado para as famílias – motivação e articulação com as instituições que já trabalham no terreno -, é uma grande desilusão.”

Mais de 7500 crianças e jovens já com processos encerrados regressaram às CPCJ em 2018

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Ana Mafalda Inácio

39.053 situações de perigo comunicadas às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) em 2018, mas só 13.905 diagnosticadas como perigosas de facto. 31.186 processos de proteção instaurados, mas destes 7.564 são de crianças que já tinham saído do sistema e voltaram.

 

Por cada 100 crianças e jovens a residir no País, 3,2 viveram situações de perigo em 2018, exigindo a intervenção das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). O número consta do relatório de atividade destas comissões e tem por base o registo de população que integra os Censos de 2011. Mesmo assim, é menor do que o de 2017, em que foram acompanhadas 3,7 crianças por cada 100.

É esta a realidade. Mas um dado preocupante é que 7564 crianças e jovens já tinham estado no sistema de proteção, a ser acompanhados pelas comissões, e já lhes tinha sido atribuída uma medida de proteção ou definido um projeto de vida, quer fosse o regresso à família, a entrega a um outro elemento da família alargada, a adoção, etc. O certo é que voltaram ao sistema.

Disto mesmo dá conta o relatório que esta quarta-feira à tarde é apresentado em Tavira, num encontro nacional das CPCJ, e que retrata a atividade de 2018 (ver mapa em baixo). O documento revela que dos 31 186 processos instaurados nesse ano, um em cada cinco, os tais mais de sete mil, são processos reabertos.

“Uma percentagem considerável”, como admitiu a secretária de Estado da Inclusão para a Pessoa com Deficiência, Ana Sofia Antunes, em conferência de Imprensa com os jornalistas. No entanto, salvaguarda, “não podemos olhar para estes números e dizer que são 7564 situações em que as CPCJ falharam.” Isto acontece porque “as circunstâncias mudam muito na vida destas crianças. Cada vez mais temos um contexto familiar muito flutuante, o termo não é simpático, mas é o que é, e, de repente, este contexto pode desestabilizar apenas com a entrada ou saída de algum elemento do agregado, com uma mudança de escola, de comunidade de amigos, etc. Qualquer circunstância destas pode justificar a reabertura de um processo.”

A presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, concorda, e reafirma que a principal razão para a reabertura dos processos tem a ver com “mudanças no contexto familiar.”

Mas o porquê? Que mudanças ou o que pode ter falhado na medida ou projeto de vida dado aquelas crianças e jovens? O relatório não divulga. Essas questões ficam para os técnicos, embora “o papel dos técnicos seja o de nunca se deixarem de questionar”, afirma a presidente da Comissão Nacional, explicando que não é fácil tomar decisões em matéria que envolvam famílias, crianças e jovens. “A complexidade dos casos é desafiante. O ter de decidir um projeto de vida é sempre um desafio muito grande para os técnicos, para as comissões, mas estas também estão cada vez mais capacitadas para isso. Por isso, tem-se apostado muito na formação. Isto ajuda, mas nunca é fácil este trabalho. É feito com o consentimento das famílias, se não é, passa para outra etapa, para o tribunal, mas caso a caso é analisado para se decidir em consciência o que é melhor para aquela criança.”

E o que é o interesse superior da criança, como refere a lei de proteção das crianças e jovens que em 2019 faz 20 anos? Na lei há várias medidas, desde a reintegração na família ou junto de um familiar alargado, adoção e o apadrinhamento civil. Mas, muitas vezes, a solução é manter muitas das crianças e jovens em instituições até à autonomização, que é considerado também um projeto de vida.

De acordo com o documento das CPCJ, na maioria das casos é considerado que o interesse superior da criança está no seio familiar, e a medida aplicada é a sua reintegração com apoio dado aos pais. “É a medida mais aplicada pelas CPCJ e de forma consistente”, pode ler-se. Aliás, “há um largo predomínio de medidas aplicadas em meio natural de vida, designadamente de apoio junto dos pais ou de outro familiar. Esta tendência mantém-se nos últimos cinco anos e sobretudo no que respeita ao escalão entre os 15 e os 17 anos.”

No fundo, uma tendência que está em consonância com o que diz a lei de proteção e promoção dos direitos da criança, que define que a intervenção prioritária seja junto da família de origem ou no meio natural de vida. Aos jornalistas, a secretária de Estado Ana Sofia Antunes defendeu o mesmo principio, “o superior interesse da criança deve estar em consonância com o da família.”

Os números revelam que das 14 007 medidas de proteção e promoção aplicadas a crianças e jovens no ano de 2018, 83,4%, mais de 13 mil crianças, tiveram como solução o regresso à família, com intervenção de apoio junto dos pais; 8,9% foram reintegrados junto de outro familiar; 5,8% foram para acolhimento residencial, institucional – registando-se aqui, apesar de tudo, uma redução relativamente a 2017, em que a percentagem foi de 6,6% -; 1,0% foi entregue a pessoa idónea; 0,7% tiveram propostas para autonomização e 0,1% foi para acolhimento familiar.

No total, e relativamente a 2017, foram aplicadas menos 1715 medidas de proteção e promoção. O que, segundo a governante, significa que todo o trabalho de prevenção que tem vindo a ser feito junto das famílias pode estar a dar resultados. Sublinhando mesmo que, apesar da “realidade crua dos números”, há que “salientar as atividades que as CPCJ têm realizado e que que têm contribuído bastante para estes resultados, que, apesar de tudo, não deixam de ser positivos na medida em que se conseguiu uma redução geral do número de processos, seja em número de processos instaurados ou em número de situações diagnosticadas.”

O relatório revela também que, em 2018, às CPCJ foram comunicadas 194 situações de emergência, de perigo eminente, em que tiveram que intervir de imediato e passar o processo ao Ministério Público.

13 905 situações de perigo, negligência é a principal causa

A estatística tem vindo a melhorar e o último ano foi o que obteve melhores resultados desde 2014. Mesmo assim foram comunicadas 39 053 situações de perigo às CPCJ, menos 240 do que em 2017. Um número que significa, ao mesmo tempo, que “a sociedade está alerta para estes casos e preocupada com o bem o estar das crianças”, referiu Ana Sofia Antunes.

Destas, foram diagnosticadas como representando verdadeiramente perigo para a criança ou jovem 13 905 – as restantes situações caíram, ou porque a situação de perigo já não subsistia ou porque nem sequer se confirmou.

Não há números exatos, mas tanto a presidente da comissão nacional como a governante deixam um alerta: “Há situações que se verificam que são falsas denúncias. São situações que surgem, muitas vezes, de pais em conflito, de familiares em conflito ou até de vizinhos.”

A negligência é a principal causa das situações de perigo, mais de 43% dos casos, seguem-se depois os comportamentos de perigo, que afetam sobretudo o escalão etário dos 15 aos 17 anos, com 18,7%, e que representam “situações de comportamento social incontrolável e indisciplinado, consumos de álcool, estupefacientes, adição a novas tecnologias”, explicou Rosário Farmhouse. O direito à educação aparece em terceiro lugar com 17,4% e a violência doméstica em quarto, com 11,9% das situações – destas 99% dizem respeito a casos de crianças que estiveram expostas à situação, mas que não foram vítimas. Só depois e, em menor percentagem, aparecem situações de mau trato físico, abandono, mau trato psicológico, abuso sexual, exploração infantil e outras.

A situação relatada em 2018 não difere muito da registada no ano anterior ou até dos últimos cinco anos. Mas também aqui há uma situação a salientar e, essa, tem a ver com o aumento dos comportamentos de perigo. “Não há grandes diferenças de um ano para o outro. A não ser um aumento registado relativamente à negligência. O que temos de realçar é a exposição dos jovens a comportamentos de perigo”, dos quais “os progenitores nem se apercebem e não os conseguem proteger, acabando por colocar em causa o seu próprio bem estar”, explicou Rosário Farmhouse.

A secretária de Estado alertou para o facto de “70% das crianças acompanhadas terem idades entre os seis e os 17 anos, e que a maior incidência de acompanhamento está concentrada entre os 11 e os 17 anos.” O que significa também que o acompanhamento do número de crianças entre os zero e os seis anos é residual.

De acordo com os dados do relatório, a negligência é a principal causa de perigo, desceu de 2014 até 2017, mas registou “uma ligeira subida deste ano para 2018.” Já os comportamentos de perigo têm vindo a aumentar nos últimos cincos anos, em cerca de três pontos percentuais. Os dados revelam que este item é já superior e às situações que colocam em perigo o direito à educação e até mesmo de violência doméstica.

Estes são os números, mas o que dizem da realidade portuguesa? A presidente da CNPDPCJ não tem dúvida de que “retratam os desafios dos tempos atuais e que têm a ver com várias circunstâncias, não só pelo facto de haver famílias mais isoladas, mais pequenas, mais ocupadas ou até eventualmente porque não estão tão atentas”, reforçando, contudo, que “os números no seu global têm vindo a descer e há todo um trabalho de prevenção e de sensibilização que está a ser feito e que tem tido algum efeito.”

Nove comissões acompanham mais de mil processos

Como diz a presidente da comissão nacional “este trabalho não é fácil”. As CPCJ têm uma formação alargada e restrita. A alargada integra representantes da comunidade, desde município às IPSS e às áreas da educação e saúde. A restrita é composta por cinco elementos sobre os quais recai as decisões, e deve integrar técnicos de serviço social da Segurança Social, representantes do ministério da educação e da saúde. Há comissões que trabalham com menos de 100 processos, algumas até com 30 a 40, mas outras têm mais de mil. Por isso, e segundo refere Rosário Farmhouse, não é possível saber ao certo quantos técnicos são necessários.

Neste momento, há 5162 técnicos espalhados pelas 309 comissões que existem no país. Em 2018, entraram mais 34 colaboradores, em 2017 eram 5128. A secretária de Estado Ana Sofia Antunes reconhece que os técnicos das CPCJ trabalham com uma “realidade diária e exigente e que o volume de trabalho que enfrentam e a carência de pessoal fazem com que, por vezes, se concentrem mais num trabalho de reação aos casos que surgem como casos efetivos e que urgem intervenção.”

Mas deixou uma mensagem: “As principais linhas orientadoras para os próximos anos, para que se consiga reduzir ainda mais estes números, é a aposta no reforço do trabalho de prevenção. “Queremos que a prevenção dos maus tratos na infância cheguem ao maior número de municípios. Quanto maior for a prevenção mais efetivo será o trabalho das CPCJ.”

A presidente da CNPDPCJ defende também que se deve “criar uma cultura da prevenção dos direitos na sociedade portuguesa que permita às crianças que estejam no centro das decisões e que tenhamos sempre medidas que as protejam preventivamente para evitar que as suas vidas tenham percursos difíceis.”

Das 309 comissões, nove, as maiores do país, Amadora, Sintra (Oriental e Ocidental), Lisboa (Norte e Centro), Loures, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Braga, trabalham mais de mil processos cada uma. Independentemente deste número e da complexidade dos casos, cada uma tem prazos a cumprir. Desde a abertura do processo de medida de promoção e proteção da criança há um prazo de seis meses para ser aplicada uma medida de proteção, que se pode estender até aos 18 meses. Nem sempre é cumprido.

Ana Sofia Antunes explicou que “são prazos máximos e devem ser cumpridos, mas não podemos garantir que o sejam sempre. Poderão existir situações em que não o sejam. Mas sabemos que existe um esforço cada vez maior por parte das CPCJ para que o sejam e para que se consiga obter resultados.”

Negligência, maus tratos e abusos. Mais de 2.200 crianças institucionalizadas no último ano

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Relativamente a 2016, há menos 8% de crianças em risco institucionalizadas, e nos últimos dez anos houve uma descida de 25% no número de crianças e jovens sinalizados.

 

O número de crianças e jovens em perigo acolhidos em famílias ou instituições desceu em 2017, uma tendência constante na última década, registando-se 7.553 em acolhimento e 2.857 que saíram dessa situação no ano passado.

“Portugal começa a dar sinais positivos no caminho da prevenção e/ou redução da institucionalização de crianças e jovens”, lê-se na “Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens” relativo a 2017.

No ano passado foram 2.202 as entradas no sistema de acolhimento, a maior parte por causa de negligência, falta de supervisão e acompanhamento (41%). Em 16% dos casos, o acolhimento deveu-se a “comportamentos desviantes”.

Em 400 casos considerou-se que foram vítimas de mais tratos psicológicos, 8% casos de exposição a violência doméstica, enquanto 215 casos chegaram ao sistema por terem sido sujeitos a maus tratos físicos e abuso sexual.

A esmagadora maioria (90%) destas novas entradas nunca tinha estado no sistema de acolhimento, mas em 240 casos tratou-se de um regresso, uma vez que já tinham saído, mas foi “detetada nova ou reiterada situação de perigo”.

Das novas entradas, 394 seguiram “procedimento de urgência”.

A maior parte das crianças e jovens em perigo acolhidas são rapazes, entre os 12 e os 20 anos de idade, que compõem 72% do total.

As casas de acolhimento generalista recebem 87% das situações, mesmo no caso das crianças até 5 anos – 88% de um universo de 903 crianças.

Em acolhimento familiar, que continua a ser de “fraca expressão”, estavam em 2017 apenas 3% das crianças e jovens em perigo.

O tempo de acolhimento costuma durar em média 3,6 anos, o que aconselha “atenção aos motivos” para tanto tempo de permanência e esforços para aplicar os “planos individuais de intervenção”.

No que toca às saídas do sistema em 2017, aumentaram 14% em relação ao ano anterior, na maioria rapazes a partir dos 15 anos que saíram de lares de infância e juventude para voltarem a viver em família, quer a de origem quer adotiva.

Em 984 casos, registaram-se “problemas de comportamento” ligeiros, que exigem “maior atenção”.

Entre os que estão em acolhimento, havia “comportamentos disruptivos em 28%”, sobretudo nas idades entre os 12 e os 17 anos, acompanhados psicologicamente e, em 22% dos casos, com medicamentos.

Para 91% das crianças e jovens em acolhimento houve educação e formação, creche ou ensino pré-escolar.

Durante o acolhimento são orientados para um projeto de vida, o que se conseguiu em 92,3% dos casos em 2017, mais 1,7 pontos percentuais do que em 2016.

A maior parte destes projetos aponta para a autonomização, sobretudo nas idades entre os 12 e os 20, enquanto a reunificação familiar é predominante na faixa 6-11 anos (43,5%).

Em cerca de um terço das crianças até aos 5 anos, o projeto de vida definido foi a adoção.

Lusa

Famílias de acolhimento “congeladas” até existirem meios de fiscalização

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Aviso foi feito pela secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Em dez anos, a colocação de crianças em risco em famílias sem serem as suas sofreu um decréscimo de 73%. Em 2017 existiam 7553 crianças e jovens em situação de acolhimento, o que é também o número mais baixo numa década.

Chamam-se famílias de acolhimento e são uma das soluções que a nível internacional tem vindo a ser privilegiada para dar guarida às crianças e jovens que são retirados aos seus núcleos familiares por se encontrarem em risco. Em Portugal continua a ser uma opção minoritária e por agora assim vai continuar, garantiu nesta segunda-feira a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes.

“Enquanto não tivermos os meios necessários para garantir a supervisão e fiscalização das famílias de acolhimento não nos sentimos seguros para aumentar o seu número, embora seja essa a nossa vontade”, disse na apresentação do relatório Casa – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens relativo a 2017.

Sem esta fiscalização, o acolhimento familiar pode constituir “um susto” já que tudo se passa dentro de portas, sem outras testemunhas do que os membros da família, o que não sucede nos lares para crianças e jovens, frisa Ana Sofia Antunes.

O relatório CASA dá conta de que só existem actualmente 178 famílias de acolhimento e que no espaço de uma década se registou uma redução de 73% na oferta desta solução. Segundo o Instituto de Segurança Social (ISS), tal ficou a dever-se em primeiro lugar ao facto de a partir de 2009 ter sido proibida a colocação de menores em famílias com as quais tivessem laços de parentesco, o que era até então a principal opção.

Certo é que no ano passado só 3% (246) dos 7553 menores que estavam em situação de acolhimento tinham sido colocados em famílias, apesar de a lei em vigor recomendar que se privilegie o acolhimento numa família, em especial quando as crianças têm até seis anos. E da prática internacional ter levado Portugal a ficar incluído na “liga dos últimos”, como disse ao PÚBLICO há um mês o professor de Serviço Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, Robbie Gilligan, que faz investigação sobre crianças e jovens à guarda do Estado.

PÚBLICO -

Seis ou mais anos em lares

À semelhança do que sucede nos lares, o acolhimento familiar é concebido para ser temporário. Mas o relatório CASA mostra que a maioria (149) das 246 crianças colocadas em famílias permanece por lá seis ou mais anos. Nos lares esta é a situação em que se encontram 19,6% dos cerca de 6600 menores ali acolhidos, sendo que 43,2% permanecem nestas casas durante um ano ou menos. A duração média do acolhimento nas várias respostas é de 3,6 anos.

É uma experiência que o ISS descreve como sendo “devastadora na vida das crianças em acolhimento”, mas que foi vivida por 2687 menores (35,6%) que em 2017 estavam nesta situação. Trata-se da dança entre instituições, as chamadas transferências de um lar para outro, que por vezes se repetem duas ou mais vezes como sucedeu com 637 dos menores acolhidos.

Acolhimento sobe entre os mais velhos

Este é um dos aspectos do actual sistema de acolhimento que irá merecer particular atenção por parte da tutela, no âmbito da revisão do actual sistema de protecção que terá de ser levada por diante devido sobretudo à “alteração do seu público-alvo”, afirma a secretária de Estado. E em que consiste esta mudança? Na última década “registou-se um crescimento de 4% no acolhimento do grupo entre os 15 e os 18 anos, ao mesmo tempo que se verificou um decréscimo de 40% no escalão dos zero aos 14 anos”.

Ou seja, as crianças e jovens em acolhimento são hoje mais velhas e isso impõe que as respostas existentes sejam “adequadas a este novo universo”, defende Ana Sofia Antunes, que aponta como exemplo o incremento dos chamados apartamentos de autonomização, onde os utentes são acompanhados com vista à sua transição para a vida adulta. Em 2017 havia 79 jovens nestes apartamentos.

PÚBLICO -

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No total, o número de crianças e jovens em acolhimento em 2017 (7553) é o mais baixo em dez anos. Para Ana Sofia Antunes são “boas notícias”, uma vez que esta redução, afirma, resulta de existir “mais e melhor trabalho de acompanhamento” e também de uma aposta forte na prevenção.

Problemas de comportamento e não só

Entre as crianças e jovens acolhidos continuam a ser maioritários (61%), contudo, os que, no léxico dos técnicos, apresentam “características particulares”, sendo que muitos acumulam mais do que uma. Entre estas “características particulares”, a que tem maior peso (28%) respeita a problemas de comportamento, seguindo-se-lhe os relacionados com a área da saúde mental (19%). Estes valores são semelhantes aos de 2016. No conjunto, cerca de metade dos jovens em acolhimento têm acompanhamento regular por parte de psiquiatras e psicólogos.

PÚBLICO -

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Os problemas de comportamento são também frequentes entre os 2857 jovens que terminaram o acolhimento em 2017, afectando 34% desta população. O segundo maior problema prende-se com o consumo de estupefacientes, que é seguido por 403 (14%) dos menores que abandonaram o acolhimento, sendo que cerca de 100 são descritos como toxicodependentes. Dos que saíram em 2016, 76 estavam nesta última situação.

A maior parte (64%) dos que cessaram o acolhimento em 2017 voltaram para a família, mas o fim desta experiência também foi ditado por várias outras razões, entre as quais fugas prolongadas (mais de um mês) que levaram o sistema a dar baixa de 77 dos seus utentes.

Os que desaparecem

É a primeira vez que o fenómeno das fugas prolongadas é analisado num relatório CASA e essa será a razão por sobrarem ainda muitas dúvidas. Por exemplo, por que é que no grupo dos 15 aos 20 anos são as raparigas que estão em maioria entre os fugitivos? Cerca de 60 desapareceram durante mais de um mês, enquanto entre os rapazes este número desce para 37. No total houve 116 fugas prolongadas.

Outra novidade deste último relatório CASA é a apresentação de dados relativos aos menores estrangeiros que estão em acolhimento por se encontrarem abandonados. São 46 no total e, segundo o ISS, a maioria foi vítima de redes de tráfico humano.

Como tem sido norma, a principal situação de perigo dos jovens que estavam em acolhimento em 2017 prende-se com casos de negligência, a que se seguem os maus-tratos psicológicos e físicos.

Clara Viana

Número de crianças acolhidas pelo Estado cai 8%. A maioria tem mais de 12 anos

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Menores acolhidos pelo Estado estão mais velhos, o que obriga a repensar as respostas sociais, alerta a secretária de Estado. Institucionalizações estão a cair e, em 2017, foram 7.533.

São maioritariamente rapazes, a maioria tem acima dos 12 anos e passam, em média, 3,6 anos em instituições do Estado. O retrato anual do acolhimento de crianças e jovens em Portugal — o CASA 2017 — acaba de ser divulgado e há duas conclusões que saltam à vista: o número de crianças acolhidas em 2017 caiu 8% em relação ao ano anterior e os menores à guarda do Estado estão cada vez mais velhos. Mais de cinco mil jovens, num total de 7.533 acolhidos, têm acima de 12 anos, uma fatia que representa 72%. O grupo com maior peso continua a ser o dos adolescentes, entre os 15 e os 17 anos, num total de 2.735 jovens (36%).

“Mudámos o nosso público-alvo”, disse a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, durante o briefing aos jornalistas, referindo-se ao facto de as crianças e jovens acolhidos estarem mais velhos. Para além disso, a última alteração legislativa prevê que o acompanhamento do Estado possa ser feito até aos 25 anos de idade, se o jovem decidir prolongá-lo depois de atingida a maioridade. “Tudo isso faz com que os desafios sejam cada vez maiores”, explicou Ana Sofia Antunes.

“Com a maioria dos jovens acolhidos a pertencer à faixa etária dos 15 aos 18 anos e a verificar-se um decréscimo nas crianças acolhidas com idades inferiores, isto implica adequar as respostas que o Estado oferece. O desafio que um jovem apresenta é muito diferente do desafio de uma criança mais pequena. Este novo público-alvo chega com muito mais complexidades e desafios”, para além de a maioria ter necessidade de acompanhamento psicológico, sublinhou a governante.

Os dados confirmam as palavras da secretária de Estado. A faixa etária dos 18 aos 20 anos já representa 18% do número de menores acolhidos, com um aumento de 3% em relação ao ano anterior. Por outro lado, os jovens com mais de 15 anos representam 53% do total. Já as quedas verificaram-se entre as crianças mais novas: dos 0-3 anos e dos 6-9 anos houve menos 1% de menores acolhidos.

Com este cenário, o desafio principal, explicou Ana Sofia Antunes, é ser capaz de pensar em respostas diferentes, como a pré-autonomização. Nesse sentido, o CASA mostra que em 2017, ano a que se reportam os dados, o número de apartamentos de autonomização cresceu 72% (de 46 para 79) e houve também um aumento das casas de acolhimento especializado. Estas últimas são destinadas a jovens dos 12 aos 18 anos, com graves dificuldades emocionais que se traduzem em comportamento disruptivo ou em elevado perigo para si próprios. As casas funcionam em regime aberto e só são utilizadas depois de se ter esgotado outro tipo de intervenção.

Ao serem em regime aberto, potenciam situações de fuga. Em 2017, houve 77 fugas prolongadas (mais de um mês) e que determinaram o arquivamento dos processos de promoção. A solução será sempre prevenir as fugas e nunca alterar o regime aberto, explicou a secretária de Estado.

Fonte do Instituto da Segurança Social, presente no briefing, explicou que apesar do crescimento daqueles dois tipos de acolhimento, e que se explica pelo aumento da idade dos jovens acolhidos, estas soluções são muito específicas e a sua utilização deve ser ponderada. Assim, a aposta deverá ser antes nos centros de acolhimento generalistas, dotando-os dos meios necessários para responderem eficazmente aos problemas dos jovens acolhidos.

Saúde mental, um problema que afeta 14% dos jovens

A complexidade dos jovens acolhidos, como aponta a secretária de Estado, passa pelas características especiais desta franja da população e que são apontadas no relatório CASA. Entre as cerca de sete mil crianças acolhidas, 61% tem pelo menos uma dessas características que passam, por exemplo, por problemas de comportamento (28%), toxicodependência, consumo esporádico de estupefacientes ou suspeita de prostituição. Na maioria das vezes, os jovens têm mais do que uma identificada: houve 11.115 características encontradas nos cerca de quatro mil jovens.

Do lado da saúde mental, como referido por Ana Sofia Antunes, entre as 4.582 crianças e jovens que revelam alguma das características especiais, 22% tomam medicação psiquiátrica, 21% têm acompanhamento psiquiátrico regular e 19% sofrem de debilidade, deficiência ou problemas de saúde mental.

Por isso mesmo, a mesma fonte do Instituto de Segurança Social diz que as crianças e jovens acolhidos são cada vez mais desafiantes. “Há cada vez mais percentagem de jovens com problemas, que têm necessidade de acompanhamento psiquiátrico e psicológico e este problemas de saúde mental exigem aos cuidadores respostas muito específicas”, explicou, avançando que está a ser feito um esforço grande na qualificação da rede de acolhimento e uma aposta no reforço dos cuidados continuados de saúde mental.

Para além da qualificação da rede, a secretária de Estado também diz ser necessário dar respostas capazes aos jovens quando saem do acolhimento para evitar situações já identificadas — mas não quantificadas pela governante — de menores que depois de saírem das instituições se tornaram sem-abrigo.

Números de crianças acolhidas cai 8%

Os números globais mostram que o sistema está a caminhar no sentido previsto: diminuir ao máximo a institucionalização de menores, optando antes por medidas de proteção em meio natural de vida, ou seja, sem afastar as crianças e jovens das suas famílias.

Assim, pela primeira vez desde que há registo, o número de crianças e jovens desce abaixo dos oito mil. Esta redução é acompanhada por uma outra também de 8%: houve um número menor de crianças (2.202) a entrar no sistema em 2017, menos 194 do que no ano anterior. Em contrapartida, 2.857 crianças e jovens cessaram o acolhimento, mais 344 do que o ano anterior. Este crescimento de 14% é o maior de sempre. Boas notícias, segundo a secretária de Estado, que lhe acrescenta uma outra, o decréscimo de jovens acolhidos em dez anos foi de 24%.

“Tivemos menos crianças a entrar no sistema e tivemos mais saídas — do ponto de vista global isto são boas notícias — e são resultado de um trabalho que está a começar a dar frutos. Nas últimas duas décadas trabalhámos na mudança do sistema que tínhamos, um sistema que era eminentemente caritativo, muito baseado em respostas sociais e muito judicializado”, sustentou Ana Sofia Antunes. Hoje, disse, esse sistema foi transformado num sistema de proteção dos direitos das crianças, e que aposta muito na prevenção das situações de risco. Para isso, o Instituto de Segurança Social trabalha em parceria com os municípios e, entre outras coisas, melhorou-se o acompanhamento de famílias beneficiárias do rendimento social de inserção e de ação social para prevenir situações de risco.

“Os números de acolhimento estão a decrescer, mas não é só porque sim, isto é resultado de um trabalho de maior e melhor acompanhamento. E não é só no trabalho de prevenção, é também uma maior aposta na formação de todos os agentes, nas comissões de proteção de crianças e menores e na tentativa de aprimorar as respostas dadas”, sublinhou a secretária de Estado.

Mais apoio às famílias, menos adoções

Em 2017, os serviços de proteção de menores detetaram 17.600 situações de risco que envolviam os 7.533 menores acolhidos. A fatia mais gorda é a da negligência, onde cabem 71% das situações de risco apuradas. Dentro dela, a falta de supervisão e acompanhamento familiar — criança deixada entregue a si ou com irmãos igualmente crianças, por largos períodos de tempo — aconteceu a 58% dos menores. Abusos sexuais foram detetados em 3% dos casos de menores acolhidos e maus-tratos físicos em 4%.

Mas um pouco mais de metade destas crianças, antes do acolhimento, já tinha tido algum tipo de medida de proteção. A esmagadora maioria foi de apoio aos pais (44%) ou a outro familiar (10%), tendo a primeira crescido 2% em relação ao ano anterior.

Este reforço das medidas juntos dos pais foi explicado no briefing com a vontade de manter o foco na prevalência da criança na família. Já os números de adoção, caíram.

“Esse será cada vez mais o caminho”, disse outra fonte do Instituto de Segurança Social presente no briefing. “A adoção a acontecer será cada vez mais a internacional e menos a doméstica, porque o que se pretende é apoiar as famílias, evitando o acolhimento. E quando o acolhimento acontece, a prioridade será sempre o regresso ao meio natural de vida.” Só 9% das crianças que cessaram o acolhimento o fizeram por ter sido integradas em famílias adotantes.

A esmagadora maioria das crianças e jovens acolhidos tinham um projeto de vida definido, ou seja, estava delineado para onde deveriam ir a seguir, depois de terminado o acolhimento. Este projeto é traçado por técnicos e não pelos tribunais. O mais comum, para 38% dos jovens, principalmente entre os 15 e os 20 anos, é a autonomização, seguindo-se de perto a reintegração na família nuclear (36%) que é a mais frequente na faixa etária entre os 6 e os 11 anos. Em terceiro lugar, surge a adoção (10%) para 673 crianças. Há ainda 9% para quem, por motivos de doença física ou mental, se prevê o seu acolhimento permanente.

Entre as crianças e jovens acolhidos com projeto de vida definido, 673 tinham como projeto a adoção (10%) e, em 2017, segundo o CASA, 97,2% dessas crianças viram a adoção concretizada. Em situação de pré-adoção, ou seja, já entregue a uma família, havia 257 crianças.

Em relação às restantes, o que aconteceu quando o acolhimento cessou? Como explicou a secretária de Estado, apesar de os serviços fazerem uma grande aposta na autonomização, verificou-se que 64% das crianças e jovens foram reintegrados ou no seio da família nuclear ou da alargada. A vida autónoma foi motivo de cessação para apenas 6,8% dos jovens.

Esta inversão do que era esperado levará os serviços a terem de refinar os seus critérios quando traçam projetos de vida, concluiu Ana Sofia Antunes, apostando-se cada vez mais na reintegração familiar.

 

Ana Kotowicz

Número de crianças e jovens em acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos

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O número de crianças e jovens em casas de acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos, passando de 12.245 em 2006 para 8.175 no ano passado, revela um relatório do Instituto da Segurança Social

Segundo o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens CASA 2016, o número de crianças e jovens dos zero aos 20 anos caracterizados no sistema de acolhimento familiar e residencial abrangeu 10.688 casos em 2016, menos 4.328 do que há dez anos (29%).

Destes, 8.175 (76%) encontravam-se nas 310 casas de acolhimento existentes no país, menos 425 (5%) face a 2015.

Apesar do decréscimo no número de crianças acolhidas, verificou-se em 2016 um aumento no número de novas entradas e uma redução do número de saídas.

De acordo com o CASA, 2.396 menores (22%) foram acolhidos em 2016, mais 194 relativamente a 2015 (9%), e 2.513 deixaram o acolhimento, menos 2.513 (4%), a maioria para regressar à família e 259 crianças (10%) foram integradas numa família adotante em período de pré-adoção.

Em 2016, manteve-se uma “ligeira prevalência” de rapazes (52,7%) e “um claro predomínio” de jovens com idades entre os 12 e os 20 anos (69,4%).

Os jovens chegam ao sistema “cada vez mais crescidos e mais complexos” o que exige respostas mais específica, afirmou uma técnica do Instituto da Segurança Social (ISS) num encontro com jornalistas no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta situação deve-se ao facto de ter sido tentado que o jovem ficasse junto da família, segundo a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, uma vez que mais de metade teve, antes do acolhimento, uma medida em meio natural de vida.

No entanto, salienta o relatório, terá de manter-se em atenção “o número de crianças (3.087) cuja primeira iniciativa de intervenção foi a aplicação de uma medida de acolhimento que determinou o seu afastamento” da família.

A grande maioria (7.203 — 88,1%) encontra-se em Lares de Infância e Juventude Especializado e centros de acolhimento temporário, 576 (7%) em casas de acolhimento com modelos de intervenção específicos nas áreas da saúde, educação especial ou Segurança Social, e 63 (0,8%) estavam em apartamentos de autonomização.

Cerca de 3% (261) estavam em famílias de acolhimento, adianta o relatório, observando que estas famílias estão concentradas no norte do país, principalmente nos distritos do Porto, Vila Real, Braga e Viana do Castelo, enquanto em Lisboa, onde o número de crianças em acolhimento é dos mais elevados, não existe nenhuma.

Havia ainda 192 crianças e jovens, 17 dos quais menores de 11 anos, em comunidade terapêutica, devido a problemas de toxicodependência e álcool.

O relatório alerta para a importância da duração do acolhimento, advertindo que 74% das crianças em acolhimento familiar estão acolhidas há mais de quatro anos, o mesmo tempo para 33,7% das que estão em instituições.

Sobre os motivos que levaram ao acolhimento da criança ou do jovem, o relatório aponta o principal foi negligência associada a “falta de supervisão familiar” (4.826), seguido da “exposição a modelos desviantes” e de “comportamentos desviantes”, detetados em 832 crianças.

O documento revela também que 17% das crianças foram acolhidas longe do seu contexto familiar de origem, das quais 46% tinham entre 15 e 17 anos, sublinhando que isto só pode ocorrer “quando o superior interesse da criança assim o determine”

Lusa

Governo quer protecção de crianças mais controlada pelo Ministério Público

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ANDREIA SANCHES • 21 de Maio de 2015, 19 33

Propostas do Governo passam por novas regras para a adopção: processos não devem durar mais de 12 meses e adoptados têm direito a conhecer as suas origens.

Nenhuma criança poderá ser acompanhada por uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) por mais de 18 meses, sem que o seu caso seja analisado pelo Ministério Público. A ideia é que as crianças não se eternizem no sistema de protecção e que o Ministério Público avalie, ao fim de 18 meses, se as medidas certas estão a ser tomadas para aquele caso em concreto ou se há outras mais adequadas, nomeadamente a retirada das crianças às famílias biológicas tendo em vista um encaminhamento para adopção. Um dos objectivos é reforçar os mecanismos de controlo e avaliação das medidas de protecção aplicadas pelas CPCJ. Até agora, este tipo de controlo por parte do Ministério Público, com um prazo definido, não existia. Esta é uma das mudanças aprovadas nesta quinta-feira em Conselho de Ministros e faz parte de uma reforma mais geral, que abrange todo o sistema de protecção de crianças, mas também o regime jurídico da adopção. De acordo com dados do Governo, havia, em Dezembro de 2014, um total de 1805 candidatos em lista de espera para adoptar e 429 crianças em situação de adoptabilidade — ou seja, o número de candidatos era mais de quatro vezes superior ao número de crianças que podiam ser adoptadas.

A esmagadora maioria dos aspirantes a pais adoptivos está disponível para receber crianças até aos seis anos. Mas só há 178 crianças com essa idade. Para além disso, o número de crianças com problemas graves ou deficiências corresponde a 15 vezes mais do que o número de candidatos que dizem estar disponíveis para aceitar esse perfil de criança. O Governo acredita, ainda assim, que é possível melhorar e agilizar os procedimentos de adopção. A proposta aprovada em Conselho de Ministros passa desde logo por definir que 12 meses é o período máximo que um processo deve ter. PUB Por exemplo, define-se que os candidatos a pais adoptivos devem ser avaliados e seleccionados em seis meses e que a decisão da Segurança Social sobre se uma criança é ou não adequada para uma família candidata deve ser tomada em 15 dias. A fase de ajustamento entre candidato e criança também não deve ser superior a seis meses. “Proteger as crianças” “Queremos estabelecer prazos efectivos obrigatórios para as decisões”, disse o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social no final do Conselho de Ministros, citado pela agência Lusa. “O prazo administrativo vai ter de ser um prazo de 12 meses no máximo, exactamente para garantir que se pode muito mais rapidamente fazer esse mesmo ajustamento, isto é, conseguir que uma família possa efectivamente adoptar”, declarou Pedro Mota Soares. Segundo o ministro, “proteger as crianças é o centro desta reforma, encurtar os prazos, reduzir a burocracia é o método” e “apoiar e simplificar a vida das famílias que querem adoptar é o eixo estrutural” do diploma relativo à adopção. Um diploma que consagra também, pela primeira vez, o direito dos adoptados de conhecerem as suas origens. Há cerca de 8500 crianças que foram retiradas às famílias e vivem em instituições de acolhimento. E o último Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ mostra que, em 2013, estas estruturas lidaram com cerca de 71.567 crianças. Actualmente, podem candidatar-se à adopção de crianças duas pessoas casadas ou em união de facto — mas os casais de homossexuais estão excluídos deste direito — ou pessoas singulares. E podem ser adoptadas crianças que tenham até 15 anos à data em que o seu processo entra no tribunal. Abusos sexuais fora das CPCJ Mota Soares afirmou que o executivo PSD/CDS-PP pretende pôr fim à “grande dispersão de legislação” sobre esta matéria, concentrando normas num “instrumento único”. Que se chamará Regime Jurídico do Processo de Adopção. Este prevê ainda que as famílias adoptivas sejam acompanhadas nas diferentes fases do processo, inclusivamente após a adopção se concretizar, se assim o entenderem. Eliminam-se algumas figuras legais, como a adopção restrita (que hoje tem entre as suas particularidades o facto de poder ser, em certas circunstâncias, revogada) e agiliza-se o processo de consentimento prévio — nos casos em que se aplica, a família biológica será chamada a dar o seu consentimento à adopção perante um juiz, no próprio dia em que tal é requerido. O Governo aprovou ainda uma proposta de lei sobre o regime geral do processo tutelar cível — “Queremos que passe a ser consagrado o princípio de uma criança, um processo”, disse o ministro. E mudanças à lei de protecção de crianças e jovens em perigo. E aqui há várias alterações propostas. Por exemplo: os casos de abuso sexual intrafamiliares saem da esfera de competência das CPCJ — e passam para a dos juízes dos tribunais de família e menores. A ideia é permitir uma intervenção imediata do tribunal, reconhecendo o carácter de urgência da situação. Prevê-se ainda que para cada criança e jovem acompanhado por uma CPCJ haja um “gestor de processo” — as CPCJ, recorde-se, podem valer-se de várias medidas para promover os direitos das crianças e protegê-las, desde logo accionando os diferentes organismos nelas representados, da Educação à Saúde. O gestor previsto na proposta terá como função coordenar as diferentes intervenções. A Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, por sua vez, deverá mudar de nome, para Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. E de estatuto: a proposta é para que passe a ser uma entidade com autonomia administrativa e financeira e um orçamento próprio. A nova comissão nacional deverá ter sete delegações regionais (cinco no continente e duas nas regiões autónomas), o que significa a descentralização do acompanhamento das CPCJ (há 278 no continente), que se pretende que seja mais próximo. As propostas aprovadas em Conselho de Ministros terão agora de ser discutidas e aprovadas no Parlamento. Elas são o resultado de um trabalho desenvolvido por duas comissões técnicas criadas para que fosse feita uma revisão legislativa na área da protecção da criança, organização tutelar de menores e adopção. As comissões entregaram os seus relatórios ao Governo em Fevereiro. Uma foi coordenada pelo procurador-geral adjunto Maia Neto e a outra pela procuradora-geral adjunta Lucília Gago.