Acolhimento familiar: projeto do governo criticado por ser “impreciso e vago”

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Ana Mafalda Inácio

Investigadores, instituições e movimentos na área da infância estão preocupados, receosos e até desiludidos com o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar. Receiam que seja um retrocesso em relação ao anterior. O documento esteve em discussão pública até 27 de maio e o governo quer…

 

Preocupação, receio, frustração e até desilusão: estas foram as palavras usadas por investigadores, psicólogos, diretores de instituições e por advogados que analisaram o novo projeto do governo sobre acolhimento familiar – que esteve em discussão (durante um mês) até ao dia 27 de maio – e que decidiram enviar ao Ministério da Segurança Social pareceres e considerações a alertar para o que consideram errado e sugerir o que pode ser melhorado.

O documento, que foi tornado público a 26 de abril, não recebeu a melhor das reações. Sobretudo porque, defendem alguns, “é vago e impreciso”, “inespecífico e confuso” no que respeita a algumas matérias consideradas “muito importantes”, nomeadamente critérios e requisitos para avaliação e formação de famílias de acolhimento e o papel de cada uma das entidades que vão intervir neste processo.

Há mesmo quem receie que possa representar um retrocesso no “caminho que Portugal já fez até aqui em termos de acolhimento familiar”. Do ponto de vista legislativo “deixa muito a desejar”, para não dizer que “é uma grande confusão” ou “uma manta de retalhos”.

A única nota positiva referida ao DN tem que ver com o reconhecimento, do ponto de vista fiscal e laboral, dado às famílias de acolhimento. Isto “é importante mas não é tudo”, dizem. “Para quem estava à espera de um decreto-lei mais virado para as famílias – motivação e articulação com as instituições que já trabalham no terreno -, é uma grande desilusão.”

Mais de 7500 crianças e jovens já com processos encerrados regressaram às CPCJ em 2018

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Ana Mafalda Inácio

39.053 situações de perigo comunicadas às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) em 2018, mas só 13.905 diagnosticadas como perigosas de facto. 31.186 processos de proteção instaurados, mas destes 7.564 são de crianças que já tinham saído do sistema e voltaram.

 

Por cada 100 crianças e jovens a residir no País, 3,2 viveram situações de perigo em 2018, exigindo a intervenção das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). O número consta do relatório de atividade destas comissões e tem por base o registo de população que integra os Censos de 2011. Mesmo assim, é menor do que o de 2017, em que foram acompanhadas 3,7 crianças por cada 100.

É esta a realidade. Mas um dado preocupante é que 7564 crianças e jovens já tinham estado no sistema de proteção, a ser acompanhados pelas comissões, e já lhes tinha sido atribuída uma medida de proteção ou definido um projeto de vida, quer fosse o regresso à família, a entrega a um outro elemento da família alargada, a adoção, etc. O certo é que voltaram ao sistema.

Disto mesmo dá conta o relatório que esta quarta-feira à tarde é apresentado em Tavira, num encontro nacional das CPCJ, e que retrata a atividade de 2018 (ver mapa em baixo). O documento revela que dos 31 186 processos instaurados nesse ano, um em cada cinco, os tais mais de sete mil, são processos reabertos.

“Uma percentagem considerável”, como admitiu a secretária de Estado da Inclusão para a Pessoa com Deficiência, Ana Sofia Antunes, em conferência de Imprensa com os jornalistas. No entanto, salvaguarda, “não podemos olhar para estes números e dizer que são 7564 situações em que as CPCJ falharam.” Isto acontece porque “as circunstâncias mudam muito na vida destas crianças. Cada vez mais temos um contexto familiar muito flutuante, o termo não é simpático, mas é o que é, e, de repente, este contexto pode desestabilizar apenas com a entrada ou saída de algum elemento do agregado, com uma mudança de escola, de comunidade de amigos, etc. Qualquer circunstância destas pode justificar a reabertura de um processo.”

A presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, concorda, e reafirma que a principal razão para a reabertura dos processos tem a ver com “mudanças no contexto familiar.”

Mas o porquê? Que mudanças ou o que pode ter falhado na medida ou projeto de vida dado aquelas crianças e jovens? O relatório não divulga. Essas questões ficam para os técnicos, embora “o papel dos técnicos seja o de nunca se deixarem de questionar”, afirma a presidente da Comissão Nacional, explicando que não é fácil tomar decisões em matéria que envolvam famílias, crianças e jovens. “A complexidade dos casos é desafiante. O ter de decidir um projeto de vida é sempre um desafio muito grande para os técnicos, para as comissões, mas estas também estão cada vez mais capacitadas para isso. Por isso, tem-se apostado muito na formação. Isto ajuda, mas nunca é fácil este trabalho. É feito com o consentimento das famílias, se não é, passa para outra etapa, para o tribunal, mas caso a caso é analisado para se decidir em consciência o que é melhor para aquela criança.”

E o que é o interesse superior da criança, como refere a lei de proteção das crianças e jovens que em 2019 faz 20 anos? Na lei há várias medidas, desde a reintegração na família ou junto de um familiar alargado, adoção e o apadrinhamento civil. Mas, muitas vezes, a solução é manter muitas das crianças e jovens em instituições até à autonomização, que é considerado também um projeto de vida.

De acordo com o documento das CPCJ, na maioria das casos é considerado que o interesse superior da criança está no seio familiar, e a medida aplicada é a sua reintegração com apoio dado aos pais. “É a medida mais aplicada pelas CPCJ e de forma consistente”, pode ler-se. Aliás, “há um largo predomínio de medidas aplicadas em meio natural de vida, designadamente de apoio junto dos pais ou de outro familiar. Esta tendência mantém-se nos últimos cinco anos e sobretudo no que respeita ao escalão entre os 15 e os 17 anos.”

No fundo, uma tendência que está em consonância com o que diz a lei de proteção e promoção dos direitos da criança, que define que a intervenção prioritária seja junto da família de origem ou no meio natural de vida. Aos jornalistas, a secretária de Estado Ana Sofia Antunes defendeu o mesmo principio, “o superior interesse da criança deve estar em consonância com o da família.”

Os números revelam que das 14 007 medidas de proteção e promoção aplicadas a crianças e jovens no ano de 2018, 83,4%, mais de 13 mil crianças, tiveram como solução o regresso à família, com intervenção de apoio junto dos pais; 8,9% foram reintegrados junto de outro familiar; 5,8% foram para acolhimento residencial, institucional – registando-se aqui, apesar de tudo, uma redução relativamente a 2017, em que a percentagem foi de 6,6% -; 1,0% foi entregue a pessoa idónea; 0,7% tiveram propostas para autonomização e 0,1% foi para acolhimento familiar.

No total, e relativamente a 2017, foram aplicadas menos 1715 medidas de proteção e promoção. O que, segundo a governante, significa que todo o trabalho de prevenção que tem vindo a ser feito junto das famílias pode estar a dar resultados. Sublinhando mesmo que, apesar da “realidade crua dos números”, há que “salientar as atividades que as CPCJ têm realizado e que que têm contribuído bastante para estes resultados, que, apesar de tudo, não deixam de ser positivos na medida em que se conseguiu uma redução geral do número de processos, seja em número de processos instaurados ou em número de situações diagnosticadas.”

O relatório revela também que, em 2018, às CPCJ foram comunicadas 194 situações de emergência, de perigo eminente, em que tiveram que intervir de imediato e passar o processo ao Ministério Público.

13 905 situações de perigo, negligência é a principal causa

A estatística tem vindo a melhorar e o último ano foi o que obteve melhores resultados desde 2014. Mesmo assim foram comunicadas 39 053 situações de perigo às CPCJ, menos 240 do que em 2017. Um número que significa, ao mesmo tempo, que “a sociedade está alerta para estes casos e preocupada com o bem o estar das crianças”, referiu Ana Sofia Antunes.

Destas, foram diagnosticadas como representando verdadeiramente perigo para a criança ou jovem 13 905 – as restantes situações caíram, ou porque a situação de perigo já não subsistia ou porque nem sequer se confirmou.

Não há números exatos, mas tanto a presidente da comissão nacional como a governante deixam um alerta: “Há situações que se verificam que são falsas denúncias. São situações que surgem, muitas vezes, de pais em conflito, de familiares em conflito ou até de vizinhos.”

A negligência é a principal causa das situações de perigo, mais de 43% dos casos, seguem-se depois os comportamentos de perigo, que afetam sobretudo o escalão etário dos 15 aos 17 anos, com 18,7%, e que representam “situações de comportamento social incontrolável e indisciplinado, consumos de álcool, estupefacientes, adição a novas tecnologias”, explicou Rosário Farmhouse. O direito à educação aparece em terceiro lugar com 17,4% e a violência doméstica em quarto, com 11,9% das situações – destas 99% dizem respeito a casos de crianças que estiveram expostas à situação, mas que não foram vítimas. Só depois e, em menor percentagem, aparecem situações de mau trato físico, abandono, mau trato psicológico, abuso sexual, exploração infantil e outras.

A situação relatada em 2018 não difere muito da registada no ano anterior ou até dos últimos cinco anos. Mas também aqui há uma situação a salientar e, essa, tem a ver com o aumento dos comportamentos de perigo. “Não há grandes diferenças de um ano para o outro. A não ser um aumento registado relativamente à negligência. O que temos de realçar é a exposição dos jovens a comportamentos de perigo”, dos quais “os progenitores nem se apercebem e não os conseguem proteger, acabando por colocar em causa o seu próprio bem estar”, explicou Rosário Farmhouse.

A secretária de Estado alertou para o facto de “70% das crianças acompanhadas terem idades entre os seis e os 17 anos, e que a maior incidência de acompanhamento está concentrada entre os 11 e os 17 anos.” O que significa também que o acompanhamento do número de crianças entre os zero e os seis anos é residual.

De acordo com os dados do relatório, a negligência é a principal causa de perigo, desceu de 2014 até 2017, mas registou “uma ligeira subida deste ano para 2018.” Já os comportamentos de perigo têm vindo a aumentar nos últimos cincos anos, em cerca de três pontos percentuais. Os dados revelam que este item é já superior e às situações que colocam em perigo o direito à educação e até mesmo de violência doméstica.

Estes são os números, mas o que dizem da realidade portuguesa? A presidente da CNPDPCJ não tem dúvida de que “retratam os desafios dos tempos atuais e que têm a ver com várias circunstâncias, não só pelo facto de haver famílias mais isoladas, mais pequenas, mais ocupadas ou até eventualmente porque não estão tão atentas”, reforçando, contudo, que “os números no seu global têm vindo a descer e há todo um trabalho de prevenção e de sensibilização que está a ser feito e que tem tido algum efeito.”

Nove comissões acompanham mais de mil processos

Como diz a presidente da comissão nacional “este trabalho não é fácil”. As CPCJ têm uma formação alargada e restrita. A alargada integra representantes da comunidade, desde município às IPSS e às áreas da educação e saúde. A restrita é composta por cinco elementos sobre os quais recai as decisões, e deve integrar técnicos de serviço social da Segurança Social, representantes do ministério da educação e da saúde. Há comissões que trabalham com menos de 100 processos, algumas até com 30 a 40, mas outras têm mais de mil. Por isso, e segundo refere Rosário Farmhouse, não é possível saber ao certo quantos técnicos são necessários.

Neste momento, há 5162 técnicos espalhados pelas 309 comissões que existem no país. Em 2018, entraram mais 34 colaboradores, em 2017 eram 5128. A secretária de Estado Ana Sofia Antunes reconhece que os técnicos das CPCJ trabalham com uma “realidade diária e exigente e que o volume de trabalho que enfrentam e a carência de pessoal fazem com que, por vezes, se concentrem mais num trabalho de reação aos casos que surgem como casos efetivos e que urgem intervenção.”

Mas deixou uma mensagem: “As principais linhas orientadoras para os próximos anos, para que se consiga reduzir ainda mais estes números, é a aposta no reforço do trabalho de prevenção. “Queremos que a prevenção dos maus tratos na infância cheguem ao maior número de municípios. Quanto maior for a prevenção mais efetivo será o trabalho das CPCJ.”

A presidente da CNPDPCJ defende também que se deve “criar uma cultura da prevenção dos direitos na sociedade portuguesa que permita às crianças que estejam no centro das decisões e que tenhamos sempre medidas que as protejam preventivamente para evitar que as suas vidas tenham percursos difíceis.”

Das 309 comissões, nove, as maiores do país, Amadora, Sintra (Oriental e Ocidental), Lisboa (Norte e Centro), Loures, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Braga, trabalham mais de mil processos cada uma. Independentemente deste número e da complexidade dos casos, cada uma tem prazos a cumprir. Desde a abertura do processo de medida de promoção e proteção da criança há um prazo de seis meses para ser aplicada uma medida de proteção, que se pode estender até aos 18 meses. Nem sempre é cumprido.

Ana Sofia Antunes explicou que “são prazos máximos e devem ser cumpridos, mas não podemos garantir que o sejam sempre. Poderão existir situações em que não o sejam. Mas sabemos que existe um esforço cada vez maior por parte das CPCJ para que o sejam e para que se consiga obter resultados.”

Famílias de acolhimento vão ter direito a benefícios fiscais, faltas, baixas e abonos

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Há muito que se fala de mudanças na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo sobre famílias de acolhimento. Agora vai haver novas medidas. O projeto de decreto de lei está em consulta pública a partir de hoje e por um mês.

Uma criança tem direito à educação, à saúde e ao bem-estar. Tem direito à proteção, à participação e à não discriminação. Tem direito à sobrevivência, aos cuidados adequados e ao seu desenvolvimento. Uma criança tem direitos. Ponto. Tem direito a que, em todas as situações ou decisões da sua vida, os intervenientes que nelas participem tenham em mente que acima de tudo é “o seu interesse superior” que deve estar sempre presente, como determina a Convenção dos Direitos da Criança, assinada pelas Nações Unidas a 20 de novembro de 1989.

 

Mas a verdade é que nem todas as crianças têm direito a ter direitos. Nem todas têm direito a nascer e a crescer com acesso aos cuidados básicos, nem tão-pouco com o direito a ter colo, mimo e afeto. Ainda é assim 30 anos depois da Convenção da ONU e depois de tantos e tantos especialistas alertarem e confirmarem que o “colo é tão importante quanto o leite” ou, por outras palavras, que “as crianças que recebem colo serão adultos mais confiantes”.

Em Portugal, em 2017, havia 7553 crianças e jovens que estavam à guarda do Estado, por, num momento qualquer da sua vida, ter sido considerado que estavam em perigo. Já foram mais, em 2016 eram 8175. Há quem diga que a redução se deve ao facto de “termos cada vez melhores pais”. Assim se espera. Mas há quem defenda que ainda são demasiados os que esperam numa instituição ou em outra forma de acolhimento o regresso à família de origem ou por outro projeto de vida, como a adoção ou o apadrinhamento civil.

 

Há quem defenda que uma criança ou um jovem, enquanto espera que o sistema funcione e lhe encontre um caminho, um projeto de vida, como define a lei de proteção, deve ter o direito de poder viver, experienciar, o acolhimento numa família que a proteja, que dela cuide, que a acarinhe.

“Um bebé precisa de colo”, “uma criança precisa de mimo”, “uma criança precisa de uma família”, mesmo que não seja a sua. Tantas vezes se ouve frases como estas da boca dos próprios técnicos que trabalham na proteção de menores. Mas o certo é que hoje a principal medida de acolhimento de uma criança ou de um jovem em perigo ainda é o acolhimento residencial – ou seja, a institucionalização, seja bebé, criança até aos 6, 10, 12 ou 16 anos.

 

© Leonel de Castro/Global Imagens

Basta referir que das 7553 crianças e jovens no sistema, 6583 estavam institucionalizadas e só 246 encontravam-se em acolhimento familiar. Ou seja, 246 crianças e jovens acolhidos em 175 famílias, de acordo com os dados do último relatório CASA. Nenhum na área de Lisboa, já que aqui não há uma única família de acolhimento. O mesmo relatório refere que a medida tem sido aplicada mais no Porto, na Madeira, em Vila Real, Braga, Viana do Castelo, Coimbra e Aveiro.

As famílias de acolhimento estão na lei de proteção de menores desde 2008, mas, e como assume fonte do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, “tem sido uma realidade pouco trabalhada, embora não se esteja a partir de um vazio”. Daí que tivesse sido necessária “uma reflexão aprofundada sobre o que devem ser famílias de acolhimento para se poder reincrementar a medida”, explicou a mesma fonte. Reforçando: “A intenção é que a criança seja acolhida num ambiente familiar, como qualquer outra criança, e numa lógica de apoio e de reforço das suas competências por um período, mas com vista a uma situação mais sólida.”

Foi nesse sentido que o MTSSS criou, em 2017, um grupo de trabalho que integra técnicos da Segurança Social, da Santa Casa de Lisboa e da Casa de Pia de Lisboa, para refletirem e trabalharem uma regulamentação que adaptasse “esta medida a uma nova lógica”, explicou a mesma fonte. O projeto de Lei está pronto e em consulta pública a partir desta sexta-feira por um período de 30 dias.

Acolhimento familiar preferencial até aos 6 anos

O objetivo é tornar a medida mais cativante, torná-la alternativa ao acolhimento residencial e até mesmo prioritária e até preferencial para crianças até aos 6 anos. Por isso, a ideia é poder criar uma bolsa de famílias de acolhimento, que serão avaliadas, selecionadas e recrutadas pelas entidades competentes, em todo o país e de acordo com as necessidades existentes, “e sempre privilegiando a proximidade com a família de origem ou o meio natural de vida da criança ou jovem em causa, se não houver indicação em contrário”.

Mas para colocar em prática a medida, passados estes dez anos, houve mesmo “a necessidade de mudar o paradigma do que é o acolhimento familiar e ao que obrigava, havendo necessidade de alterar alguns dos seus pressupostos”.

Uma família que acolha uma criança com menos de 6 anos receberá 601,35 euros, com mais de 6 receberá 522,91.

Uma das principais mudanças prende-se com o facto de, até agora, quem se candidatasse a família de acolhimento tinha de se inscrever como trabalhador independente, o que exigia também contribuições e um contrato de prestação de serviços. Agora, quem se candidate e for aceite não terá de passar por esta modalidade. Mais: terá acesso a direitos sociais, como faltas, baixas médicas, em caso de doença, e acesso a todas prestações a que uma criança tem direito, como o abono de família.

Neste projeto está ainda consignado que estas famílias terão direito aos benefícios fiscais previstos no Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares e no Estatuto dos Benefícios Fiscais. E porque “a situação acarreta encargos”, o Estado compromete-se também com a atribuição de um apoio pecuniário por criança ou jovem acolhido, correspondente a 1,2 vezes o valor indexante dos apoios sociais.

“Estes são os valores que entendemos necessários para que uma família possa fazer face às despesas quando tem a seu cargo uma criança. A estes acrescerão todas as prestações sociais como abono de família, bonificação por deficiência, subsídio de assistência à terceira pessoa, etc.”, pormenorizou a mesma fonte.

Educação e saúde devem garantir serviços

Este projeto de lei tem como objetivo também agilizar alguma das burocracias e dos entraves detetados em algumas situações de crianças acolhidas que depois não recebiam cuidados de saúde nem de educação básicos de forma imediata. Por isso, a lei define que os serviços do Ministério de Educação devem garantir, em tempo útil, a efetiva inclusão escolar e a oferta formativa adequada a estas crianças e jovens. Em relação aos serviços do Ministério da Saúde, refere mesmo que devem priorizar o acesso destas crianças.

“Com a atual legislação pode haver dificuldade em inscrever uma criança numa escola a meio do ano, na zona de residência da família de acolhimento, mas esta situação vai ficar inscrita na lei. Fizemos um levantamento presencial junto das IPSS que têm acordos de cooperação com a Segurança Social para se perceber quais eram as maiores dificuldades para que pudessem ser corrigidas com esta nova legislação. E estamos já a trabalhar neste sentido com os outros ministérios”, garantiu ao DN fonte do MTSSS.

 

Quem pode candidatar-se

O projeto em discussão estabelece que pode ser candidato a família de acolhimento “pessoa singular, duas pessoas casadas entre si ou que vivam em união de facto, duas ou mais pessoas por laços de parentesco e que vivam em comunhão de mesa e habitação”. Pelo acolhimento familiar ficará responsável um dos elementos da família, mas estas não poderão ter “qualquer relação de parentesco com a criança ou com o jovem”.

No documento, lê-se ainda que cada família poderá acolher até duas crianças ou jovens, mas a título excecional e devidamente justificado poderá acolher mais. Os candidatos deverão ter idade superior a 25 anos e inferior a 65, não serem concorrentes a adoção, terem condições de saúde física e mental e possuir preparação e motivação afetiva para ser família de acolhimento e condições de habitabilidade, etc.

As famílias serão avaliadas e recrutadas pelas entidades competentes, a Segurança Social e a Santa Casa de Lisboa, que terão de gerir as vagas neste tipo de acolhimento a fazer o acompanhamento. Cabe-lhes também divulgar a medida através do desenvolvimento de campanhas para a captação de famílias candidatas.

Na lei estão ainda definidos os direitos e os deveres quer das crianças e dos jovens acolhidos, quer das famílias de acolhimento, como das de origem.

A medida estará em discussão pública até ao final de maio, para que os contributos dados pela sociedade possam ser analisados pelo ministério e contemplados ou não na versão final. Só depois será agendada a discussão e a aprovação em Conselho de Ministros. Em relação à data para a entrada em vigor, “não possível indicar”, refere a mesma fonte. Como não é também possível indicar o número de famílias necessárias para acolher as crianças e jovens a quem a medida deve ser atribuída.

Uma coisa é certa: de acordo com a lei, quando a medida for executada já deve ter por base a “previsibilidade da reintegração da criança ou do jovem na família de origem ou em meio natural de vida”; quando não for possível esta solução, está também previsto “a execução e a preparação da criança ou do jovem para a adoção ou a autonomia de vida”.

O acolhimento familiar está previsto na lei e consiste “na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitada para o efeito, visando proporcionar à criança ou ao jovem a integração em meio familiar estável que lhe garanta os cuidados adequados às suas necessidades e ao seu bem-estar.”

Ao DN, em entrevista anterior à divulgação deste decreto-lei, a diretora da Unidade de Adoção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar da Santa Casa de Lisboa, Isabel Pastor, defende que a tendência para o futuro é que o acolhimento institucional seja desmantelado. “A meta é que dentro de dez, quinze ou 20 anos toda a criança com necessidade de acolhimento o seja em família.”

Ana Mafalda Inácio