Menores acolhidos pelo Estado estão mais velhos, o que obriga a repensar as respostas sociais, alerta a secretária de Estado. Institucionalizações estão a cair e, em 2017, foram 7.533.
São maioritariamente rapazes, a maioria tem acima dos 12 anos e passam, em média, 3,6 anos em instituições do Estado. O retrato anual do acolhimento de crianças e jovens em Portugal — o CASA 2017 — acaba de ser divulgado e há duas conclusões que saltam à vista: o número de crianças acolhidas em 2017 caiu 8% em relação ao ano anterior e os menores à guarda do Estado estão cada vez mais velhos. Mais de cinco mil jovens, num total de 7.533 acolhidos, têm acima de 12 anos, uma fatia que representa 72%. O grupo com maior peso continua a ser o dos adolescentes, entre os 15 e os 17 anos, num total de 2.735 jovens (36%).
“Mudámos o nosso público-alvo”, disse a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, durante o briefing aos jornalistas, referindo-se ao facto de as crianças e jovens acolhidos estarem mais velhos. Para além disso, a última alteração legislativa prevê que o acompanhamento do Estado possa ser feito até aos 25 anos de idade, se o jovem decidir prolongá-lo depois de atingida a maioridade. “Tudo isso faz com que os desafios sejam cada vez maiores”, explicou Ana Sofia Antunes.
“Com a maioria dos jovens acolhidos a pertencer à faixa etária dos 15 aos 18 anos e a verificar-se um decréscimo nas crianças acolhidas com idades inferiores, isto implica adequar as respostas que o Estado oferece. O desafio que um jovem apresenta é muito diferente do desafio de uma criança mais pequena. Este novo público-alvo chega com muito mais complexidades e desafios”, para além de a maioria ter necessidade de acompanhamento psicológico, sublinhou a governante.
Os dados confirmam as palavras da secretária de Estado. A faixa etária dos 18 aos 20 anos já representa 18% do número de menores acolhidos, com um aumento de 3% em relação ao ano anterior. Por outro lado, os jovens com mais de 15 anos representam 53% do total. Já as quedas verificaram-se entre as crianças mais novas: dos 0-3 anos e dos 6-9 anos houve menos 1% de menores acolhidos.
Com este cenário, o desafio principal, explicou Ana Sofia Antunes, é ser capaz de pensar em respostas diferentes, como a pré-autonomização. Nesse sentido, o CASA mostra que em 2017, ano a que se reportam os dados, o número de apartamentos de autonomização cresceu 72% (de 46 para 79) e houve também um aumento das casas de acolhimento especializado. Estas últimas são destinadas a jovens dos 12 aos 18 anos, com graves dificuldades emocionais que se traduzem em comportamento disruptivo ou em elevado perigo para si próprios. As casas funcionam em regime aberto e só são utilizadas depois de se ter esgotado outro tipo de intervenção.
Ao serem em regime aberto, potenciam situações de fuga. Em 2017, houve 77 fugas prolongadas (mais de um mês) e que determinaram o arquivamento dos processos de promoção. A solução será sempre prevenir as fugas e nunca alterar o regime aberto, explicou a secretária de Estado.
Fonte do Instituto da Segurança Social, presente no briefing, explicou que apesar do crescimento daqueles dois tipos de acolhimento, e que se explica pelo aumento da idade dos jovens acolhidos, estas soluções são muito específicas e a sua utilização deve ser ponderada. Assim, a aposta deverá ser antes nos centros de acolhimento generalistas, dotando-os dos meios necessários para responderem eficazmente aos problemas dos jovens acolhidos.
Saúde mental, um problema que afeta 14% dos jovens
A complexidade dos jovens acolhidos, como aponta a secretária de Estado, passa pelas características especiais desta franja da população e que são apontadas no relatório CASA. Entre as cerca de sete mil crianças acolhidas, 61% tem pelo menos uma dessas características que passam, por exemplo, por problemas de comportamento (28%), toxicodependência, consumo esporádico de estupefacientes ou suspeita de prostituição. Na maioria das vezes, os jovens têm mais do que uma identificada: houve 11.115 características encontradas nos cerca de quatro mil jovens.
Do lado da saúde mental, como referido por Ana Sofia Antunes, entre as 4.582 crianças e jovens que revelam alguma das características especiais, 22% tomam medicação psiquiátrica, 21% têm acompanhamento psiquiátrico regular e 19% sofrem de debilidade, deficiência ou problemas de saúde mental.
Por isso mesmo, a mesma fonte do Instituto de Segurança Social diz que as crianças e jovens acolhidos são cada vez mais desafiantes. “Há cada vez mais percentagem de jovens com problemas, que têm necessidade de acompanhamento psiquiátrico e psicológico e este problemas de saúde mental exigem aos cuidadores respostas muito específicas”, explicou, avançando que está a ser feito um esforço grande na qualificação da rede de acolhimento e uma aposta no reforço dos cuidados continuados de saúde mental.
Para além da qualificação da rede, a secretária de Estado também diz ser necessário dar respostas capazes aos jovens quando saem do acolhimento para evitar situações já identificadas — mas não quantificadas pela governante — de menores que depois de saírem das instituições se tornaram sem-abrigo.
Números de crianças acolhidas cai 8%
Os números globais mostram que o sistema está a caminhar no sentido previsto: diminuir ao máximo a institucionalização de menores, optando antes por medidas de proteção em meio natural de vida, ou seja, sem afastar as crianças e jovens das suas famílias.
Assim, pela primeira vez desde que há registo, o número de crianças e jovens desce abaixo dos oito mil. Esta redução é acompanhada por uma outra também de 8%: houve um número menor de crianças (2.202) a entrar no sistema em 2017, menos 194 do que no ano anterior. Em contrapartida, 2.857 crianças e jovens cessaram o acolhimento, mais 344 do que o ano anterior. Este crescimento de 14% é o maior de sempre. Boas notícias, segundo a secretária de Estado, que lhe acrescenta uma outra, o decréscimo de jovens acolhidos em dez anos foi de 24%.
“Tivemos menos crianças a entrar no sistema e tivemos mais saídas — do ponto de vista global isto são boas notícias — e são resultado de um trabalho que está a começar a dar frutos. Nas últimas duas décadas trabalhámos na mudança do sistema que tínhamos, um sistema que era eminentemente caritativo, muito baseado em respostas sociais e muito judicializado”, sustentou Ana Sofia Antunes. Hoje, disse, esse sistema foi transformado num sistema de proteção dos direitos das crianças, e que aposta muito na prevenção das situações de risco. Para isso, o Instituto de Segurança Social trabalha em parceria com os municípios e, entre outras coisas, melhorou-se o acompanhamento de famílias beneficiárias do rendimento social de inserção e de ação social para prevenir situações de risco.
“Os números de acolhimento estão a decrescer, mas não é só porque sim, isto é resultado de um trabalho de maior e melhor acompanhamento. E não é só no trabalho de prevenção, é também uma maior aposta na formação de todos os agentes, nas comissões de proteção de crianças e menores e na tentativa de aprimorar as respostas dadas”, sublinhou a secretária de Estado.
Mais apoio às famílias, menos adoções
Em 2017, os serviços de proteção de menores detetaram 17.600 situações de risco que envolviam os 7.533 menores acolhidos. A fatia mais gorda é a da negligência, onde cabem 71% das situações de risco apuradas. Dentro dela, a falta de supervisão e acompanhamento familiar — criança deixada entregue a si ou com irmãos igualmente crianças, por largos períodos de tempo — aconteceu a 58% dos menores. Abusos sexuais foram detetados em 3% dos casos de menores acolhidos e maus-tratos físicos em 4%.
Mas um pouco mais de metade destas crianças, antes do acolhimento, já tinha tido algum tipo de medida de proteção. A esmagadora maioria foi de apoio aos pais (44%) ou a outro familiar (10%), tendo a primeira crescido 2% em relação ao ano anterior.
Este reforço das medidas juntos dos pais foi explicado no briefing com a vontade de manter o foco na prevalência da criança na família. Já os números de adoção, caíram.
“Esse será cada vez mais o caminho”, disse outra fonte do Instituto de Segurança Social presente no briefing. “A adoção a acontecer será cada vez mais a internacional e menos a doméstica, porque o que se pretende é apoiar as famílias, evitando o acolhimento. E quando o acolhimento acontece, a prioridade será sempre o regresso ao meio natural de vida.” Só 9% das crianças que cessaram o acolhimento o fizeram por ter sido integradas em famílias adotantes.
A esmagadora maioria das crianças e jovens acolhidos tinham um projeto de vida definido, ou seja, estava delineado para onde deveriam ir a seguir, depois de terminado o acolhimento. Este projeto é traçado por técnicos e não pelos tribunais. O mais comum, para 38% dos jovens, principalmente entre os 15 e os 20 anos, é a autonomização, seguindo-se de perto a reintegração na família nuclear (36%) que é a mais frequente na faixa etária entre os 6 e os 11 anos. Em terceiro lugar, surge a adoção (10%) para 673 crianças. Há ainda 9% para quem, por motivos de doença física ou mental, se prevê o seu acolhimento permanente.
Entre as crianças e jovens acolhidos com projeto de vida definido, 673 tinham como projeto a adoção (10%) e, em 2017, segundo o CASA, 97,2% dessas crianças viram a adoção concretizada. Em situação de pré-adoção, ou seja, já entregue a uma família, havia 257 crianças.
Em relação às restantes, o que aconteceu quando o acolhimento cessou? Como explicou a secretária de Estado, apesar de os serviços fazerem uma grande aposta na autonomização, verificou-se que 64% das crianças e jovens foram reintegrados ou no seio da família nuclear ou da alargada. A vida autónoma foi motivo de cessação para apenas 6,8% dos jovens.
Esta inversão do que era esperado levará os serviços a terem de refinar os seus critérios quando traçam projetos de vida, concluiu Ana Sofia Antunes, apostando-se cada vez mais na reintegração familiar.
Ana Kotowicz