Famílias de acolhimento “congeladas” até existirem meios de fiscalização

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Aviso foi feito pela secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Em dez anos, a colocação de crianças em risco em famílias sem serem as suas sofreu um decréscimo de 73%. Em 2017 existiam 7553 crianças e jovens em situação de acolhimento, o que é também o número mais baixo numa década.

Chamam-se famílias de acolhimento e são uma das soluções que a nível internacional tem vindo a ser privilegiada para dar guarida às crianças e jovens que são retirados aos seus núcleos familiares por se encontrarem em risco. Em Portugal continua a ser uma opção minoritária e por agora assim vai continuar, garantiu nesta segunda-feira a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes.

“Enquanto não tivermos os meios necessários para garantir a supervisão e fiscalização das famílias de acolhimento não nos sentimos seguros para aumentar o seu número, embora seja essa a nossa vontade”, disse na apresentação do relatório Casa – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens relativo a 2017.

Sem esta fiscalização, o acolhimento familiar pode constituir “um susto” já que tudo se passa dentro de portas, sem outras testemunhas do que os membros da família, o que não sucede nos lares para crianças e jovens, frisa Ana Sofia Antunes.

O relatório CASA dá conta de que só existem actualmente 178 famílias de acolhimento e que no espaço de uma década se registou uma redução de 73% na oferta desta solução. Segundo o Instituto de Segurança Social (ISS), tal ficou a dever-se em primeiro lugar ao facto de a partir de 2009 ter sido proibida a colocação de menores em famílias com as quais tivessem laços de parentesco, o que era até então a principal opção.

Certo é que no ano passado só 3% (246) dos 7553 menores que estavam em situação de acolhimento tinham sido colocados em famílias, apesar de a lei em vigor recomendar que se privilegie o acolhimento numa família, em especial quando as crianças têm até seis anos. E da prática internacional ter levado Portugal a ficar incluído na “liga dos últimos”, como disse ao PÚBLICO há um mês o professor de Serviço Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, Robbie Gilligan, que faz investigação sobre crianças e jovens à guarda do Estado.

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Seis ou mais anos em lares

À semelhança do que sucede nos lares, o acolhimento familiar é concebido para ser temporário. Mas o relatório CASA mostra que a maioria (149) das 246 crianças colocadas em famílias permanece por lá seis ou mais anos. Nos lares esta é a situação em que se encontram 19,6% dos cerca de 6600 menores ali acolhidos, sendo que 43,2% permanecem nestas casas durante um ano ou menos. A duração média do acolhimento nas várias respostas é de 3,6 anos.

É uma experiência que o ISS descreve como sendo “devastadora na vida das crianças em acolhimento”, mas que foi vivida por 2687 menores (35,6%) que em 2017 estavam nesta situação. Trata-se da dança entre instituições, as chamadas transferências de um lar para outro, que por vezes se repetem duas ou mais vezes como sucedeu com 637 dos menores acolhidos.

Acolhimento sobe entre os mais velhos

Este é um dos aspectos do actual sistema de acolhimento que irá merecer particular atenção por parte da tutela, no âmbito da revisão do actual sistema de protecção que terá de ser levada por diante devido sobretudo à “alteração do seu público-alvo”, afirma a secretária de Estado. E em que consiste esta mudança? Na última década “registou-se um crescimento de 4% no acolhimento do grupo entre os 15 e os 18 anos, ao mesmo tempo que se verificou um decréscimo de 40% no escalão dos zero aos 14 anos”.

Ou seja, as crianças e jovens em acolhimento são hoje mais velhas e isso impõe que as respostas existentes sejam “adequadas a este novo universo”, defende Ana Sofia Antunes, que aponta como exemplo o incremento dos chamados apartamentos de autonomização, onde os utentes são acompanhados com vista à sua transição para a vida adulta. Em 2017 havia 79 jovens nestes apartamentos.

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Aumentar

No total, o número de crianças e jovens em acolhimento em 2017 (7553) é o mais baixo em dez anos. Para Ana Sofia Antunes são “boas notícias”, uma vez que esta redução, afirma, resulta de existir “mais e melhor trabalho de acompanhamento” e também de uma aposta forte na prevenção.

Problemas de comportamento e não só

Entre as crianças e jovens acolhidos continuam a ser maioritários (61%), contudo, os que, no léxico dos técnicos, apresentam “características particulares”, sendo que muitos acumulam mais do que uma. Entre estas “características particulares”, a que tem maior peso (28%) respeita a problemas de comportamento, seguindo-se-lhe os relacionados com a área da saúde mental (19%). Estes valores são semelhantes aos de 2016. No conjunto, cerca de metade dos jovens em acolhimento têm acompanhamento regular por parte de psiquiatras e psicólogos.

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Aumentar

Os problemas de comportamento são também frequentes entre os 2857 jovens que terminaram o acolhimento em 2017, afectando 34% desta população. O segundo maior problema prende-se com o consumo de estupefacientes, que é seguido por 403 (14%) dos menores que abandonaram o acolhimento, sendo que cerca de 100 são descritos como toxicodependentes. Dos que saíram em 2016, 76 estavam nesta última situação.

A maior parte (64%) dos que cessaram o acolhimento em 2017 voltaram para a família, mas o fim desta experiência também foi ditado por várias outras razões, entre as quais fugas prolongadas (mais de um mês) que levaram o sistema a dar baixa de 77 dos seus utentes.

Os que desaparecem

É a primeira vez que o fenómeno das fugas prolongadas é analisado num relatório CASA e essa será a razão por sobrarem ainda muitas dúvidas. Por exemplo, por que é que no grupo dos 15 aos 20 anos são as raparigas que estão em maioria entre os fugitivos? Cerca de 60 desapareceram durante mais de um mês, enquanto entre os rapazes este número desce para 37. No total houve 116 fugas prolongadas.

Outra novidade deste último relatório CASA é a apresentação de dados relativos aos menores estrangeiros que estão em acolhimento por se encontrarem abandonados. São 46 no total e, segundo o ISS, a maioria foi vítima de redes de tráfico humano.

Como tem sido norma, a principal situação de perigo dos jovens que estavam em acolhimento em 2017 prende-se com casos de negligência, a que se seguem os maus-tratos psicológicos e físicos.

Clara Viana

Número de crianças acolhidas pelo Estado cai 8%. A maioria tem mais de 12 anos

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Menores acolhidos pelo Estado estão mais velhos, o que obriga a repensar as respostas sociais, alerta a secretária de Estado. Institucionalizações estão a cair e, em 2017, foram 7.533.

São maioritariamente rapazes, a maioria tem acima dos 12 anos e passam, em média, 3,6 anos em instituições do Estado. O retrato anual do acolhimento de crianças e jovens em Portugal — o CASA 2017 — acaba de ser divulgado e há duas conclusões que saltam à vista: o número de crianças acolhidas em 2017 caiu 8% em relação ao ano anterior e os menores à guarda do Estado estão cada vez mais velhos. Mais de cinco mil jovens, num total de 7.533 acolhidos, têm acima de 12 anos, uma fatia que representa 72%. O grupo com maior peso continua a ser o dos adolescentes, entre os 15 e os 17 anos, num total de 2.735 jovens (36%).

“Mudámos o nosso público-alvo”, disse a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, durante o briefing aos jornalistas, referindo-se ao facto de as crianças e jovens acolhidos estarem mais velhos. Para além disso, a última alteração legislativa prevê que o acompanhamento do Estado possa ser feito até aos 25 anos de idade, se o jovem decidir prolongá-lo depois de atingida a maioridade. “Tudo isso faz com que os desafios sejam cada vez maiores”, explicou Ana Sofia Antunes.

“Com a maioria dos jovens acolhidos a pertencer à faixa etária dos 15 aos 18 anos e a verificar-se um decréscimo nas crianças acolhidas com idades inferiores, isto implica adequar as respostas que o Estado oferece. O desafio que um jovem apresenta é muito diferente do desafio de uma criança mais pequena. Este novo público-alvo chega com muito mais complexidades e desafios”, para além de a maioria ter necessidade de acompanhamento psicológico, sublinhou a governante.

Os dados confirmam as palavras da secretária de Estado. A faixa etária dos 18 aos 20 anos já representa 18% do número de menores acolhidos, com um aumento de 3% em relação ao ano anterior. Por outro lado, os jovens com mais de 15 anos representam 53% do total. Já as quedas verificaram-se entre as crianças mais novas: dos 0-3 anos e dos 6-9 anos houve menos 1% de menores acolhidos.

Com este cenário, o desafio principal, explicou Ana Sofia Antunes, é ser capaz de pensar em respostas diferentes, como a pré-autonomização. Nesse sentido, o CASA mostra que em 2017, ano a que se reportam os dados, o número de apartamentos de autonomização cresceu 72% (de 46 para 79) e houve também um aumento das casas de acolhimento especializado. Estas últimas são destinadas a jovens dos 12 aos 18 anos, com graves dificuldades emocionais que se traduzem em comportamento disruptivo ou em elevado perigo para si próprios. As casas funcionam em regime aberto e só são utilizadas depois de se ter esgotado outro tipo de intervenção.

Ao serem em regime aberto, potenciam situações de fuga. Em 2017, houve 77 fugas prolongadas (mais de um mês) e que determinaram o arquivamento dos processos de promoção. A solução será sempre prevenir as fugas e nunca alterar o regime aberto, explicou a secretária de Estado.

Fonte do Instituto da Segurança Social, presente no briefing, explicou que apesar do crescimento daqueles dois tipos de acolhimento, e que se explica pelo aumento da idade dos jovens acolhidos, estas soluções são muito específicas e a sua utilização deve ser ponderada. Assim, a aposta deverá ser antes nos centros de acolhimento generalistas, dotando-os dos meios necessários para responderem eficazmente aos problemas dos jovens acolhidos.

Saúde mental, um problema que afeta 14% dos jovens

A complexidade dos jovens acolhidos, como aponta a secretária de Estado, passa pelas características especiais desta franja da população e que são apontadas no relatório CASA. Entre as cerca de sete mil crianças acolhidas, 61% tem pelo menos uma dessas características que passam, por exemplo, por problemas de comportamento (28%), toxicodependência, consumo esporádico de estupefacientes ou suspeita de prostituição. Na maioria das vezes, os jovens têm mais do que uma identificada: houve 11.115 características encontradas nos cerca de quatro mil jovens.

Do lado da saúde mental, como referido por Ana Sofia Antunes, entre as 4.582 crianças e jovens que revelam alguma das características especiais, 22% tomam medicação psiquiátrica, 21% têm acompanhamento psiquiátrico regular e 19% sofrem de debilidade, deficiência ou problemas de saúde mental.

Por isso mesmo, a mesma fonte do Instituto de Segurança Social diz que as crianças e jovens acolhidos são cada vez mais desafiantes. “Há cada vez mais percentagem de jovens com problemas, que têm necessidade de acompanhamento psiquiátrico e psicológico e este problemas de saúde mental exigem aos cuidadores respostas muito específicas”, explicou, avançando que está a ser feito um esforço grande na qualificação da rede de acolhimento e uma aposta no reforço dos cuidados continuados de saúde mental.

Para além da qualificação da rede, a secretária de Estado também diz ser necessário dar respostas capazes aos jovens quando saem do acolhimento para evitar situações já identificadas — mas não quantificadas pela governante — de menores que depois de saírem das instituições se tornaram sem-abrigo.

Números de crianças acolhidas cai 8%

Os números globais mostram que o sistema está a caminhar no sentido previsto: diminuir ao máximo a institucionalização de menores, optando antes por medidas de proteção em meio natural de vida, ou seja, sem afastar as crianças e jovens das suas famílias.

Assim, pela primeira vez desde que há registo, o número de crianças e jovens desce abaixo dos oito mil. Esta redução é acompanhada por uma outra também de 8%: houve um número menor de crianças (2.202) a entrar no sistema em 2017, menos 194 do que no ano anterior. Em contrapartida, 2.857 crianças e jovens cessaram o acolhimento, mais 344 do que o ano anterior. Este crescimento de 14% é o maior de sempre. Boas notícias, segundo a secretária de Estado, que lhe acrescenta uma outra, o decréscimo de jovens acolhidos em dez anos foi de 24%.

“Tivemos menos crianças a entrar no sistema e tivemos mais saídas — do ponto de vista global isto são boas notícias — e são resultado de um trabalho que está a começar a dar frutos. Nas últimas duas décadas trabalhámos na mudança do sistema que tínhamos, um sistema que era eminentemente caritativo, muito baseado em respostas sociais e muito judicializado”, sustentou Ana Sofia Antunes. Hoje, disse, esse sistema foi transformado num sistema de proteção dos direitos das crianças, e que aposta muito na prevenção das situações de risco. Para isso, o Instituto de Segurança Social trabalha em parceria com os municípios e, entre outras coisas, melhorou-se o acompanhamento de famílias beneficiárias do rendimento social de inserção e de ação social para prevenir situações de risco.

“Os números de acolhimento estão a decrescer, mas não é só porque sim, isto é resultado de um trabalho de maior e melhor acompanhamento. E não é só no trabalho de prevenção, é também uma maior aposta na formação de todos os agentes, nas comissões de proteção de crianças e menores e na tentativa de aprimorar as respostas dadas”, sublinhou a secretária de Estado.

Mais apoio às famílias, menos adoções

Em 2017, os serviços de proteção de menores detetaram 17.600 situações de risco que envolviam os 7.533 menores acolhidos. A fatia mais gorda é a da negligência, onde cabem 71% das situações de risco apuradas. Dentro dela, a falta de supervisão e acompanhamento familiar — criança deixada entregue a si ou com irmãos igualmente crianças, por largos períodos de tempo — aconteceu a 58% dos menores. Abusos sexuais foram detetados em 3% dos casos de menores acolhidos e maus-tratos físicos em 4%.

Mas um pouco mais de metade destas crianças, antes do acolhimento, já tinha tido algum tipo de medida de proteção. A esmagadora maioria foi de apoio aos pais (44%) ou a outro familiar (10%), tendo a primeira crescido 2% em relação ao ano anterior.

Este reforço das medidas juntos dos pais foi explicado no briefing com a vontade de manter o foco na prevalência da criança na família. Já os números de adoção, caíram.

“Esse será cada vez mais o caminho”, disse outra fonte do Instituto de Segurança Social presente no briefing. “A adoção a acontecer será cada vez mais a internacional e menos a doméstica, porque o que se pretende é apoiar as famílias, evitando o acolhimento. E quando o acolhimento acontece, a prioridade será sempre o regresso ao meio natural de vida.” Só 9% das crianças que cessaram o acolhimento o fizeram por ter sido integradas em famílias adotantes.

A esmagadora maioria das crianças e jovens acolhidos tinham um projeto de vida definido, ou seja, estava delineado para onde deveriam ir a seguir, depois de terminado o acolhimento. Este projeto é traçado por técnicos e não pelos tribunais. O mais comum, para 38% dos jovens, principalmente entre os 15 e os 20 anos, é a autonomização, seguindo-se de perto a reintegração na família nuclear (36%) que é a mais frequente na faixa etária entre os 6 e os 11 anos. Em terceiro lugar, surge a adoção (10%) para 673 crianças. Há ainda 9% para quem, por motivos de doença física ou mental, se prevê o seu acolhimento permanente.

Entre as crianças e jovens acolhidos com projeto de vida definido, 673 tinham como projeto a adoção (10%) e, em 2017, segundo o CASA, 97,2% dessas crianças viram a adoção concretizada. Em situação de pré-adoção, ou seja, já entregue a uma família, havia 257 crianças.

Em relação às restantes, o que aconteceu quando o acolhimento cessou? Como explicou a secretária de Estado, apesar de os serviços fazerem uma grande aposta na autonomização, verificou-se que 64% das crianças e jovens foram reintegrados ou no seio da família nuclear ou da alargada. A vida autónoma foi motivo de cessação para apenas 6,8% dos jovens.

Esta inversão do que era esperado levará os serviços a terem de refinar os seus critérios quando traçam projetos de vida, concluiu Ana Sofia Antunes, apostando-se cada vez mais na reintegração familiar.

 

Ana Kotowicz

Crianças à guarda do Estado são cada vez mais velhas e problemáticas

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Mais de metade das crianças e jovens que foram retiradas às famílias já tinham tido antes medidas de protecção, que acabaram por não resultar. E para muitas a entrada no sistema de acolhimento não constitui uma novidade. Uma em cada cinco precisa de medicação psicotrópica.

Existem menos crianças e jovens à guarda do Estado por terem sido retirados à família, mas os que estão nas instituições “chegam cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento”, o que levou a uma mudança das características desta população: as crianças acolhidas são hoje mais velhas, “mais complexas e mais exigentes” do que eram no passado, refere o Instituto de Segurança Social (ISS) num relatório entregue ao Parlamento.

O relatório Casa — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens dá conta que, no ano passado, estavam à guarda do Estado 8175 crianças e jovens. Em 2006 eram 12.245.

Das crianças e jovens em acolhimento em 2016, 50% tinham entre 15 e 20 anos, quando há uma década esta percentagem era de 37,3%. Já a proporção de crianças entre os 0 e os 5 anos caiu de 12,3% para 6,9%.

Este “envelhecimento” da população residente nos lares para crianças e jovens tem também repercussões nos projectos de vida que ali se fazem para o futuro, com cada vez menos a terem a adopção como opção e (no caso das mais velhas) cada vez mais a desejarem uma vida autónoma.

Para a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, a mudança das características dos que foram retirados às famílias por estarem, de algum modo, em perigo constitui um “novo desafio” para o sistema de acolhimento, que tem agora de saber encontrar respostas adequadas “à cada vez maior afluência de adolescentes e jovens que chegam [às instituições] já com problemas de comportamento ou hábitos de vida com traços desviantes”.

É com esse objectivo, acrescentou, que se vai proceder “à revisão da regulamentação das respostas de acolhimento de modo a adaptá-las” à nova realidade. O que passa também por elevar os “níveis de especialização e de competências técnicas” dos profissionais envolvidos. E ainda pela criação de respostas mais especializadas, como será o caso das quatro unidades de saúde mental dirigidas a crianças e jovens. As que estão em situação de acolhimento terão prioridade no atendimento. Estas unidades deverão abrir ainda este ano.

Refira-se, a propósito, que das crianças e jovens que em 2016 viviam em instituições ou outras respostas, como famílias de acolhimento, existiam 1609 (20% do total) a quem foi prescrita medicação psicotrópica.

 

Problemas de comportamento

Vítimas de maus tratos, negligência ou abusos, as crianças e jovens que são retiradas às famílias, têm muitas vezes outras problemáticas associadas, seja de comportamento, de consumos de substâncias, de doenças físicas, de saúde mental e de debilidade ou deficiência mental ou física.

Com 2227 casos, os problemas de comportamento são os que assumem maior representatividade, sendo que 55% dos que apresentavam esta problemática tinham entre 15 e 17 anos. Mentir para obter benefícios, fugas breves e intimidações fazem parte dos problemas mais listados. São aqueles que o ISS define como “comportamentos ligeiros” e que representam 72% do total. Já os “comportamentos graves”, como roubo com agressão, utilização de armas brancas ou destruição de propriedade, têm um peso de 4%.

Entre os jovens em acolhimento, 371 (4,9%) são ainda suspeitos ou estão acusados de terem praticado um crime, estando por isso sujeitos a medidas tutelares educativas, destinadas a menores até aos 16 anos.

Um dos princípios basilares da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo é o de tentar manter os menores junto das suas famílias, mesmo quando estas estão assinaladas como podendo constituir um risco para eles. “Os jovens só são retirados quando se chega à conclusão que a família reiteradamente não cumpre o plano” que lhe foi proposto, indicou Ana Sofia Antunes.

E é também por isso que os jovens estão a chegar cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento, frisou uma fonte do ISS. Dos 8175 que ali estavam em 2016, 52,3% já tinham sido alvo, no passado, de “medidas de protecção em meio natural”, ou seja, junto da família, que acabaram por não resultar.

Há outro número relevante: 2903 (35,5%) já tinham estado em lares de acolhimento antes, tendo regressado à família para depois voltarem a ser retirados. Cerca de 600 já contabilizam na sua vida três ou mais experiências de acolhimento.

Negligência das famílias

Das 2936 crianças e jovens que entraram no sistema de acolhimento ao longo do ano de 2016, 485 foram encaminhados em situação de urgência por estar em perigo a sua vida ou integridade física ou psíquica. Quase metade já tinha sido alvo também de medidas de protecção anteriores.

Muitos chegam ao sistema de acolhimento por terem estado expostos a várias situações de perigo. A negligência é a que assume maior predominância (72%), seguida das situações de mau trato psicológico (8,5%), maus tratos físicos (3,4%) e abusos sexuais (2,8%). São problemáticas que, cada vez menos, se apresentam ligadas a agregados desfavorecidos, sendo a sua ocorrência “transversal” a toda a sociedade, frisa fonte do ISS.

A permanência em lares de infância e juventude é a solução mais comum, abrangendo 88,1% das crianças e jovens que estão no sistema. Já as crianças em famílias de acolhimento representam apenas 3,2% dos menores no sistema.

Outro dos princípios de base da lei é o de que o acolhimento deve ser uma solução “temporária”. Contudo, 34% dos que se encontram em lares estão lá há quatro anos ou mais.

 

Número de crianças e jovens em acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos

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O número de crianças e jovens em casas de acolhimento baixou 33% nos últimos dez anos, passando de 12.245 em 2006 para 8.175 no ano passado, revela um relatório do Instituto da Segurança Social

Segundo o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens CASA 2016, o número de crianças e jovens dos zero aos 20 anos caracterizados no sistema de acolhimento familiar e residencial abrangeu 10.688 casos em 2016, menos 4.328 do que há dez anos (29%).

Destes, 8.175 (76%) encontravam-se nas 310 casas de acolhimento existentes no país, menos 425 (5%) face a 2015.

Apesar do decréscimo no número de crianças acolhidas, verificou-se em 2016 um aumento no número de novas entradas e uma redução do número de saídas.

De acordo com o CASA, 2.396 menores (22%) foram acolhidos em 2016, mais 194 relativamente a 2015 (9%), e 2.513 deixaram o acolhimento, menos 2.513 (4%), a maioria para regressar à família e 259 crianças (10%) foram integradas numa família adotante em período de pré-adoção.

Em 2016, manteve-se uma “ligeira prevalência” de rapazes (52,7%) e “um claro predomínio” de jovens com idades entre os 12 e os 20 anos (69,4%).

Os jovens chegam ao sistema “cada vez mais crescidos e mais complexos” o que exige respostas mais específica, afirmou uma técnica do Instituto da Segurança Social (ISS) num encontro com jornalistas no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta situação deve-se ao facto de ter sido tentado que o jovem ficasse junto da família, segundo a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, uma vez que mais de metade teve, antes do acolhimento, uma medida em meio natural de vida.

No entanto, salienta o relatório, terá de manter-se em atenção “o número de crianças (3.087) cuja primeira iniciativa de intervenção foi a aplicação de uma medida de acolhimento que determinou o seu afastamento” da família.

A grande maioria (7.203 — 88,1%) encontra-se em Lares de Infância e Juventude Especializado e centros de acolhimento temporário, 576 (7%) em casas de acolhimento com modelos de intervenção específicos nas áreas da saúde, educação especial ou Segurança Social, e 63 (0,8%) estavam em apartamentos de autonomização.

Cerca de 3% (261) estavam em famílias de acolhimento, adianta o relatório, observando que estas famílias estão concentradas no norte do país, principalmente nos distritos do Porto, Vila Real, Braga e Viana do Castelo, enquanto em Lisboa, onde o número de crianças em acolhimento é dos mais elevados, não existe nenhuma.

Havia ainda 192 crianças e jovens, 17 dos quais menores de 11 anos, em comunidade terapêutica, devido a problemas de toxicodependência e álcool.

O relatório alerta para a importância da duração do acolhimento, advertindo que 74% das crianças em acolhimento familiar estão acolhidas há mais de quatro anos, o mesmo tempo para 33,7% das que estão em instituições.

Sobre os motivos que levaram ao acolhimento da criança ou do jovem, o relatório aponta o principal foi negligência associada a “falta de supervisão familiar” (4.826), seguido da “exposição a modelos desviantes” e de “comportamentos desviantes”, detetados em 832 crianças.

O documento revela também que 17% das crianças foram acolhidas longe do seu contexto familiar de origem, das quais 46% tinham entre 15 e 17 anos, sublinhando que isto só pode ocorrer “quando o superior interesse da criança assim o determine”

Lusa