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29.05.2019 | DN

Adoção em Lisboa com processos atrasados por baixa da única funcionária

Ana Mafalda Inácio

A única funcionária do Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa que recebe as candidaturas à adoção esteve de baixa e não foi substituída. Resultado: processos entregues no início do ano ainda estão parados, quando a lei impõe um prazo de seis meses para serem concluídos.

Carla e António decidiram avançar para 2019 com um projeto: o da adoção. Logo no início de janeiro entregaram toda a documentação e formalizaram a candidatura a família adotante no Centro Distrital da Segurança Social, já que é aqui que são obrigados a tratar do processo por viverem fora da cidade de Lisboa. Mas até agora não foram chamados para dar início ao conjunto de formalismos a que o processo obriga e que tem como finalidade a avaliação e a preparação dos candidatos.

De acordo com a lei, tais formalismos devem ser realizados no prazo de seis meses. O que já não vai acontecer, pois no caso de Carla e António termina já na próxima semana, quando muito o processo poderá ser iniciado dentro destes seis meses, mas nunca terminado. Até ontem, Carla e António não tinham recebido qualquer contacto da Segurança Social para o processo avançar.

Como eles há mais, o DN tem conhecimento de outras situações de pessoas que se candidataram à adoção nos primeiros meses do ano no mesmo Centro de Segurança Social e que também não foram contactados. Para uns e para outros, não é só o facto de os prazos que estão definidos na lei não serem cumpridos, “é também esta espera, em que nada está a acontecer, que causa angústia e ansiedade”, argumentam.

Segundo apurou o DN, o Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa – que é responsável pelos processos de candidatura de pessoas que residem fora da capital, mas dentro do distrito de Lisboa – tem só uma funcionária para desempenhar esta função. A situação não é nova, “é assim há algum tempo, desde que houve cortes no número de funcionários na Segurança Social”, garantiram fontes do setor. “E o que aconteceu é que a funcionária esteve de baixa e não havia ninguém que a pudesse substituir”, justificou a mesma.

A funcionária ficou doente e entrou de baixa sem se saber quando poderia voltar. A partir de março e abril, os candidatos que começaram a estranhar não serem chamados contactaram os serviços para saberem o que estava a acontecer e foram recebendo respostas diversas. “A colega que trata das candidaturas está de baixa e não se sabe quando volta”, mais tarde ouviram: “Todos os processos estão com atraso.” E já a meio de maio a alguns dos candidatos foi mesmo dito para não ficarem stressados, porque “ninguém está a passar à frente de ninguém. Nenhum candidato de 2019 está a ser chamado”.

O DN contactou o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS) para obter uma resposta sobre a situação, querendo saber se de facto havia apenas uma funcionária para tratar das candidaturas à adoção, se tal era suficiente e se esta situação iria mudar. A resposta recebida refere apenas que “no presente não se verificam constrangimentos na receção e manifestação da intenção de adotar”, mas nada sobre o que, de facto, era perguntado no que toca aos funcionários e ao desempenho da função.

Entretanto, a funcionária que se encontrava de baixa regressou ao trabalho e, ao que apurámos, não tem tido mãos a medir, mas há casais que entregaram os processos no início do ano e que não foram chamados. “Até hoje ainda não, e nem sei quando seremos, essa resposta não nos sabem dar na Segurança Social”, referiram-nos.

Neste momento, o ISS garante que existem equipas de adoção em todos os centros distritais da Segurança Social, que as equipas de adoção integram, de uma maneira geral, técnicos com formação em psicologia, serviço social, direito, bem como assistentes técnicos, mas não refere se a mesma situação está acontecer em outros centros. Mas tudo indica que a situação mais complicada seja a que está a ser vivida no Centro Distrital de Lisboa. Pelo menos, “não há conhecimento de outras situações no país. Lisboa é dos centros que maior número de candidatos e de processos recebe”, explicou fonte do setor.

Os dado mais recentes disponibilizados pelo ISS, I.P. reportam ao ano de 2017 e revelam que foram formalizadas 487 candidaturas à adoção em todo o país. Destas, 329 foram selecionadas, e 297 “avaliadas no prazo de seis meses”. As restantes 32 já foram posteriormente, não cumprindo os prazos definidos na lei.

Carla e António referiram ao DN que se candidataram com o desejo de “alargar a família”, e porque sabem que há muitas crianças em instituições cujo desejo “é viver a normalidade de uma vida em família”. Sabiam que todo o processo leva algum tempo, “não só pela dificuldade de encontrar famílias adequadas às necessidades das crianças mas também pela complexidade e exigência do processo”, o que, na opinião deles, “deve ser assim. É um sinal de que as situações são avaliadas com profundidade”, mas “nada justifica esta espera, que é inútil, pois estamos à espera que se dê início ao processo”.

Os outros casais concordam que o “processo de seleção dos pais deve ser exigente e cuidadoso, de modo a selecionar as melhores famílias para estas crianças, que já trazem, nalguns casos, histórias complicadas e necessidades especiais”, mas “não se compreende é que todo o processo comece com atrasos, que a morosidade que já é conhecida nestes processos seja agravada pela falta de uma funcionária, por burocracias, por papéis”. Ou seja, reforçam, “é um tempo de espera que não se compreende, pois nada está a acontecer”.

Na resposta ao DN, a Segurança Social de Lisboa justifica-se dizendo estarem “previstas a breve trecho várias sessões do Plano de Formação para a Adoção”. Uma fase que ainda é anterior à formalização da candidatura. É uma sessão informativa que os candidatos têm de realizar e só depois é que podem formalizar a candidatura. Mas nada sobre os atrasos do processo de avaliação e de preparação dos candidatos que já formalizaram a candidatura e que tem prazos na lei para cumprir.

A lei impõe várias etapas na candidatura à adoção. A primeira é a manifestação da intenção de adotar, os cidadãos que o pretendam podem manifestar esta intenção no Centro Distrital do ISS, I.P. da sua área de residência. Ou seja, nos 18 centros que existem no país. Esta manifestação pode ser feita por e-mail, contacto telefónico ou até presencialmente.

Só após esta manifestação, é que os candidatos são encaminhados para a frequência de uma sessão informativa sobre todo o processo de adoção – sessão A do Plano de Formação para a Adoção. Depois da frequência nesta sessão informativa, podem então avançar, e quando o desejarem, pois não há um prazo limite para o fazerem, com a formalização da candidatura.

Mas, na resposta ao DN, o ISS admite que o facto de “o Regime Jurídico do Processo de Adoção imposto pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, ter trazido maiores exigências quer na organização quer na intervenção das equipas técnicas dos quatro organismos de Segurança Social – que são para além do ISS, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, os ISS da Madeira e dos Açores -, impõe um esforço contínuo de ajustamento e de rentabilização dos recursos humanos e logísticos existentes”.

Contudo, a lei determina e a lei deve ser cumprida, que a partir do momento em que entregam a candidatura o processo de avaliação tem de ficar concluído em seis meses. Carla e António estão à beira do fim desse prazo. Não foram ainda sequer a uma entrevista para avaliação do perfil.

© Leonel de Castro/Global Imagens