Com quatro filhas, ainda arranjaram espaço para mais dois

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Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens

Catarina Silva

João e Sofia Costa estão há ano e meio à espera para apadrinhar dois irmãos que estavam numa instituição.
Lamentam o processo lento e a falta de apoio. Mãe biológica falha audiências.

 

O dia 10 de maio de 2019 está marcado na memória de João e Sofia Oliveira Costa. Têm quatro filhas e ainda quiseram dar a oportunidade a dois irmãos de viverem com uma família. Foi aí que passaram a ser oito lá em casa, a contar com Pedro e Maria (nomes fictícios), de 9 e 10 anos, que saíram da instituição onde estavam há dois. “Não é coragem, é vontade“, diz João. Os irmãos já vivem com eles, por decisão do tribunal, mas continuam à espera da conclusão do processo de apadrinhamento civil, em que a mãe biológica não tem colaborado.

João e Sofia, ambos com 51 anos e juntos há 30, sempre tiveram nos planos, um dia, adotar. Vivem em Oeiras, têm quatro filhas biológicas, de 14, 17, 19 e 21 anos. E acabaram, num acaso, a cruzar-se com o projeto Amigos P”ra Vida. João decidiu ser voluntário numa casa de acolhimento. Foi apoiar Pedro nos estudos. “Comprei livros de fichas, jogava à bola, pegava às cavalitas.” A irmã Maria, que vivia na mesma instituição, começou a juntar-se: “E, de repente, vinham os dois estudar para o pé de mim“.

Os irmãos já passavam tardes em casa de João e Sofia quando a diretora da casa de acolhimento lhes pediu que os apadrinhassem. “Não fui capaz de dizer que não. Assumi isto como uma obrigação moral. Serem dois irmãos torna tudo mais difícil, mas não me passava pela cabeça ficarem entregues à instituição”. Foram meses difíceis de debate familiar.

Quando o casal se alinhou e deixou para trás os medos, as filhas respeitaram. “A decisão acabou por assentar muito na ligação que as crianças já tinham connosco“, diz Sofia.

A 3 de janeiro de 2019, formalizaram a candidatura a apadrinhamento civil na Segurança Social. E, em maio, o tribunal autorizou que os irmãos fossem viver com a família, antes da conclusão do processo. Até tiveram direito a uma festa de boas-vindas. E entre muitas atividades planeadas, a única coisa que eles queriam, afinal, era estar em casa. “Não foi nada fácil, eles são muito pouco autónomos, porque não têm uma vivência em casa“, diz Sofia.

“É uma relação de soma”

Mas vale a pena. “Num ano e pouco, eles mudaram de escola, ele foi batizado, foram a festas de anos de amigos, nunca tinham ido. Foram de férias, nunca tinham feito uma mala“, relata João. Pedro até aprendeu a cozinhar e já quer ser chef. João só lamenta o atraso no processo. A mãe biológica – todos os filhos estiveram institucionalizados – está fora do país e falha as audiências. “Andamos nisto há ano e meio. E não temos suporte nenhum. Mas, estamos a tirar estas crianças do sistema, a dar-lhes uma casa, um futuro, vale a pena“.

Não querem roubar o lugar dos pais. “Nós somos o João e a Sofia. Mas os meus sogros são os avós. E as minhas filhas são as manas“, diz João. E Sofia completa: “Somos padrinhos. Nunca pomos em causa os pais. É uma relação de soma. Em vez de perderem uma família, ganham outra“.

Apadrinhamento civil: só seis crianças propostas em 2019

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©José Carmo/Arquivo Global Imagens

Catarina Silva

É o número mais baixo dos últimos três anos. Há 7032 menores institucionalizados.
Lei que queria dar-lhes uma família, mantendo ligação aos pais biológicos, ainda falha.

 

Dez anos depois da entrada em vigor da figura do apadrinhamento civil, que queria dar uma família a crianças institucionalizadas e sem projeto de adoção, os números continuam a ser residuais. Em 2019, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) só propuseram seis crianças para apadrinhamento civil – o número mais baixo dos últimos três anos – e quatro dos casos já foram homologados pelo tribunal. A lei pecou pela falta de divulgação e os seus mentores acreditam que a falta de um subsídio às famílias também tem travado o sucesso.

Há dez anos, não havia quem tivesse dúvidas sobre a pertinência do apadrinhamento civil“, diz Guilherme de Oliveira, especialista em Direito de Família e mentor da lei. Foi criada a pensar nas crianças para quem a adoção não é uma opção, mas que também não podem estar com a família Há 7032 menores institucionalizados  Últimas Mais Vistas Alertas biológica. “Era preciso inventar uma forma de proteção familiar duradoura e não transitória. Imaginei esta figura, inspirada nos padrinhos religiosos, substitutos dos pais“.

O grande objetivo era retirar crianças das instituições. Segundo a lei, os padrinhos civis assumem responsabilidades parentais para o resto da vida, mas as crianças não perdem ligação aos pais biológicos, ao contrário do que acontece na adoção.

FALTA DE DIVULGAÇÃO

Apesar das expectativas, os números foram sempre residuais. O último relatório Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens (CASA) revela que, em 2018, havia 7032 crianças institucionalizadas e o apadrinhamento civil foi proposto a apenas 29, o número mais baixo desde 2013. Em 2019, segundo a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, as CPCJ de todo o país só o propuseram a seis crianças (três entre 11 e 14 anos; uma entre 6 e 10 anos; uma entre 3 e 5 anos, uma com menos de 2 anos).

A medida também pode ser proposta pelo Ministério Público ou a Segurança Social. “A falta de divulgação foi um defeito desde o início. O Governo não fez a parte dele“, defende Guilherme de Oliveira. O facto de se manter contacto com os pais biológicos não lhe parece ser um travão, até porque a ideia é exatamente a cooperação. “Magistrados, técnicos, todos conheciam casos em que a figura se enquadrava. Se há dez anos fazia falta, então, continua a fazer“. Agora, arrepende-se de não ter avançado o muito debatido subsídio, como o que é entregue às famílias de acolhimento. “O sistema exige muito dos pais e o subsídio ajudava”.

O investigador Paulo Delgado, subscreve: “Temos que ver a realidade da pouca disponibilidade económica das famílias. A falta de apoio até pode ser injusta”. Mas o problema está em quebrar o ciclo família-instituição: “Somos campeões da institucionalização de crianças. Não acredito que Portugal seja diferente de países como Espanha ou Itália. Estas famílias existem, mas o nosso sistema de proteção não as procura“. E critica o Governo: “Há muito boas intenções do ponto de vista jurídico. Há consenso do ponto de vista científico sobre o efeito da institucionalização nas crianças, com atrasos cognitivos e físicos. Mas, do ponto de vista político, há resistência“.

Rosário Farmhouse, presidente da CNPDPCJ, assume que “a medida tem potencial que não é usado“. “Temos poucos candidatos a serem padrinhos e não há efeito de contágio. Isto requer uma campanha de divulgação”. Idália Serrão, à época secretária de Estado da Reabilitação, concorda: “O que resolve o desconhecimento é a formação. Se os técnicos não conhecem os instrumentos, não os aplicam. Continuo a acreditar que faz sentido. Não substitui nenhuma outra medida de proteção”.

 

Associação quer lista com famílias candidatas

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Alerta que é “é preciso uma procura ativa”

O projeto AMIGOS P´RÁ VIDA, da associação Candeia, surgiu em 2015 e desde então já criou mais de 90 ligações entre crianças institucionalizadas e famílias voluntárias, na zona da Grande Lisboa. O projeto angaria famílias que queiram estabelecer laços de amizade com uma criança ou jovem que viva numa casa de acolhimento residencial. E tem vindo a chamar a atenção para o apadrinhamento civil.

Procurámos famílias voluntárias e a forma como se envolvem depende da sua disponibilidade e das necessidades da criança. Há crianças que têm necessidade de criar relações que permitam que, mais tarde, venham a ser integradas na sua família amiga”, explica Sofia Marques, jurista e coordenadora do projeto que ganhou o prémio BPI Solidário em 2017.

O grande objetivo é criar relações duradouras e que muitas vezes têm passado pelo apadrinhamento. Mas Sofia alerta que é preciso que a Segurança Social abra as portas através de um acordo de cooperação com as instituições sociais, como a que gere, para que o processo de candidatura das famílias seja agilizado.

“Temos encaminhado muitas famílias para habilitação como padrinhos. A figura não funciona, porque não há uma lista, como há para a adoção, e não há uma procura ativa. A lei está bem feita. Há uma necessidade inacreditável desta resposta e há inação”, conclui.

“Estão a falhar todas as entidades”

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Entrevista de Catarina Silva a Rui do Carmo – procurador jubilado – publicada no Jornal de Notícias, dia 26/08/2020,  no âmbito do Apadrinhamento Cívil.

Qual foi o objetivo da criação da figura do apadrinhamento civil

Pretendia-se constituir uma figura que não fosse a adoção para as situações em que não se verificavam esses pressupostos. As crianças não têm condições para ficarem nas suas famílias, mas queria evitar-se que fossem institucionalizadas. A figura permite que fiquem a cargo de terceiros, sem perder a relação com a família de origem.

Mas não tem tido adesão.

O instrumento nunca foi efetivamente divulgado, nunca foram criadas condições para que pudesse ter uma significativa aplicação. No ano passado, aumentaram as crianças institucionalizadas. E as alternativas continuam a ser residuais. Continuamos com um sistema em que ou é a família da criança ou a instituição.

Quem é que está a falhar?

Estão a falhar todas as entidades que têm responsabilidade na aplicação deste instituto e na construção de alternativas familiares para crianças. Há desinvestimento e muita distração.

Como é que se pode mudar isso?

Fazer manuais para os técnicos, dar formação, chamar a atenção de que esta é uma alternativa possível de projeto de vida das crianças. Passa por ter presente esta figura como uma das possibilidades de integração familiar às crianças que não o têm no seu agregado de origem.